Vol. II – (5) IV – A PSICOTERAPIA DA HISTERIA (FREUD)


Em nossa “Comunicação Preliminar” relatamos como, no curso de nossa pesquisa sobre a etiologia dos sintomas histéricos, deparamo-nos também com um método terapêutico que nos pareceu de importância prática. Pois “verificamos, a princípio para nossa grande surpresa, que cada sintoma histérico individual desaparecia, de forma imediata e permanente, quando conseguíamos trazer à luz com clareza a lembrança do fato que o havia provocado e despertar o afeto que o acompanhava, e quando o paciente havia descrito esse acontecimento com o maior número de detalhes possível e traduzido o afeto em palavras.” (ver em [1].)
Esforçamo-nos ainda por explicar o modo como funciona nosso método psicoterapêutico: “Ele põe termo à força atuante da representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, ao permitir que seu fato estrangulado encontre uma saída através da fala; e submete essa representação à correção associativa ao introduzi-la na consciência normal (sob hipnose leve), ou eliminá-la por sugestão do médico, como se faz no sonambulismo acompanhado de amnésia.” (ver em [1].)
Tentarei agora fazer um relato coerente de até onde este método nos leva, dos aspectos em que ele consegue mais do que outros métodos, da técnica pela qual funciona e das dificuldades com que se defronta. Grande parte da substância disso já se acha no relato dos casos que constam da parte anterior deste livro, e não conseguirei evitar repetir-me no relato que se segue.
(1)
De minha parte, também posso afirmar que ainda me mantenho fiel ao que está contido na “Comunicação Preliminar”. Não obstante, devo confessar que, durante os anos decorridos desde então – nos quais estive incessantemente voltado para os problemas ali abordados -, novos pontos de vista se impuseram a minha mente. Estes levaram ao que é, ao menos em parte, um agrupamento e uma interpretação diferentes do material fatual por mim conhecido naquela época. Seria injusto tentar atribuir uma responsabilidade grande demais por essa transformação a meu estimado amigo Dr. Josef Breuer. Por este motivo, as considerações que se seguem são formuladas principalmente em meu próprio nome.
Quando tentei aplicar a um número relativamente grande de pacientes o método de Breuer, de tratamento de sintomas histéricos pela investigação e ab-reação destes sob hipnose, defrontei-me com duas dificuldades e, ao lidar com elas, fui levado a fazer uma alteração tanto na minha técnica quanto na minha visão dos fatos. (1) Verifiquei que nem todas as pessoas que exibiam sintomas histéricos indiscutíveis e que, muito provavelmente, eram regidas pelo mesmo mecanismo psíquico podiam ser hipnotizadas. (2) Vi-me forçado a tomar uma posição quanto à questão do que, afinal, caracteriza essencialmente a histeria e do que a distingue de outras neuroses.
Deixarei para depois meu relato de como superei a primeira dessas duas dificuldades e o que dela aprendi e começarei por descrever a atitude que adotei em minha prática diária em relação ao segundo problema. É muito difícil obter uma visão clara de um caso de neurose antes de tê-lo submetido a uma análise minuciosa – uma análise que, na verdade, só pode ser efetuada pelo uso do método de Breuer; mas a decisão sobre o diagnóstico e a forma de terapia a ser adotada tem de ser tomada antes de se chegar a qualquer conhecimento assim minucioso do caso. O único caminho aberto a mim, portanto, era selecionar para tratamento catártico os casos que pudessem ser provisoriamente diagnosticados como histeria, que exibissem um ou mais dos estigmas ou sintomas característicos da histeria. Ocorreu então algumas vezes que, apesar do diagnóstico de histeria, os resultados terapêuticos se revelaram muito escassos e nem mesmo a análise trazia à luz nada de significativo. Em outras ocasiões ainda, tentei aplicar o método de tratamento de Breuer a casos de neurose que ninguém poderia confundir com histeria, e assim verifiquei que eles podiam ser influenciados e, na verdade, esclarecidos. Tive essa experiência, por exemplo, com as idéias obsessivas – idéias obsessivas autênticas, do tipo de Westphal – em casos sem um único traço que lembrasse a histeria. Conseqüentemente, o mecanismo psíquico revelado pela “Comunicação Preliminar” não poderia ser patogmônico da histeria, nem tampouco consegui decidir-me, apenas para preservar aquele mecanismo como critério, a englobar todas essas neuroses na histeria. Acabei encontrando uma saída para todas essas dúvidas através do plano de tratar todas as outras neuroses em questão da mesma forma que a histeria. Determinei-me a investigar sua etiologia e a natureza de seu mecanismo psíquico em cada caso e a deixar na dependência do resultado dessa investigação a decisão quanto a se o diagnóstico de histeria se justificava.
Assim, partindo do método de Breuer, vi-me envolvido em considerações sobre a etiologia e o mecanismo das neuroses em geral. Tive sorte o bastante para chegar a alguns resultados úteis num prazo relativamente curto. Em primeiro lugar, fui obrigado a reconhecer que, na medida em que se possa falar em causas determinantes que levam à aquisição de neuroses, sua etiologia deve ser buscada em fatores sexuais. Seguiu-se a descoberta de que diferentes fatores sexuais, no sentido mais geral, produzem diferentes quadros de distúrbios neuróticos. Tornou-se então possível, na medida em que essa relação era confirmada, correr o risco de utilizar a etiologia com o objetivo de caracterizar as neuroses e de fazer uma distinção nítida entre os quadros clínicos das várias neuroses. Quando as características etiológicas coincidiam sistematicamente com as clínicas, isso era naturalmente justificável.
Dessa maneira, verifiquei que a neurastenia apresentava um quadro clínico monótono no qual, como demonstram minhas análises, nenhum papel era desempenhado por um “mecanismo psíquico”. Havia uma nítida distinção entre a neurastenia e a “neurose obsessiva”, a neurose das idéias obsessivas propriamente ditas. Nesta última pude reconhecer um complexo mecanismo psíquico, uma etiologia semelhante à da histeria e uma ampla possibilidade de reduzi-la pela psicoterapia. Por outro lado, pareceu-me absolutamente necessário destacar da neurastenia um complexo de sintomas neuróticos que dependem de uma etiologia inteiramente diferente e, na verdade, no fundo, contrária. Os sintomas que formam esse complexo estão unidos por uma característica que já foi reconhecida por Hecker (1893), pois são sintomas ou equivalentes e rudimentos de manifestações de angústia; e por essa razão dei a tal complexo, a ser destacado da neurastenia, o nome de neurose de angústia. Sustentei (Freud, 1895b) que ele decorre de um acúmulo de tensão física, que é, em si mesma, também de origem sexual. Essa neurose também não possui nenhum mecanismo psíquico, mas invariavelmente influencia a vida mental, de modo que a “expectativa ansiosa”, as fobias, e hiperestesia às dores, etc. encontram-se entre suas manifestações regulares. Essa neurose de angústia, no sentido que dou à expressão, sem dúvida coincide em parte com as neuroses que, sob o nome de “hipocondria”, encontra lugar em muitas descrições ao lado da histeria e da neurastenia. Mas não posso considerar correta a delimitação da hipocondria em nenhum dos trabalhos em questão, e a aplicabilidade de seu nome me parece ser prejudicada pela ligação fixa do termo com o sintoma de “medo de doença”.
Depois de ter fixado assim os quadros simples de neurastenia, neurose de angústia e idéias obsessivas, passei a considerar os casos de neurose comumente incluídos no diagnóstico de histeria. Refleti que não era certo rotular de histérica uma neurose, em sua totalidade, só porque alguns sintomas histéricos ocupavam um lugar de destaque em seu complexo de sintomas. Era-me fácil compreender essa prática, visto que, afinal de contas, a histeria é a mais antiga, a mais conhecida e a mais marcante das neuroses em consideração; mas isso era um abuso, pois lançava por conta da histeria muitos traços de perversão e degenerescência. Sempre que um sintoma histérico, como uma anestesia ou um ataque característico, era observado num caso complicado de degeneração psíquica, todo esse estado era descrito como de “histeria”, de modo que não surpreende que as piores e mais contraditórias coisas fossem reunidas sob esse rótulo. Mas, assim como era certo que esse diagnóstico estava errado, era igualmente certo que também deveríamos separar as várias neuroses; e já que estávamos familiarizados com a neurastenia, a neurose de angústia, etc., em sua forma pura, não havia mais necessidade de desprezá-las no quadro conjunto.
O ponto de vista que se segue, portanto, parecia ser o mais provável. As neuroses que comumente ocorrem devem ser classificadas, em sua maior parte, de “mistas”. A neurastenia e as neuroses de angústia são facilmente encontradas também em formas puras, especialmente em pessoas jovens. As formas puras de histeria e neurose obsessiva são raras; em geral, essas duas neuroses combinam-se com a neurose de angústia. A razão por que as neuroses mistas ocorrem com tanta freqüência é que seus fatores etiológicos se acham muitas vezes entremeados, às vezes apenas por acaso, outras vezes como resultado de relações causais entre os processos de que derivam os fatores etiológicos das neuroses. Não há nenhuma dificuldade em descobrir isso e demonstrá-lo com detalhes. Quanto à histeria, porém, sucede que esse distúrbio dificilmente poderia ser segregado, para fins de estudo, do eixo de ligação das neuroses sexuais; que, em geral, ele representa apenas um lado isolado, apenas um aspecto de um caso complicado de neuroses; e que é somente em casos marginais que ele pode ser encontrado e tratado isoladamente. Talvez possamos dizer em algumas ocasiões: a potiori fit denominatio |isto é, recebeu seu nome pela sua característica mais importante|.
Examinarei agora os casos clínicos aqui relatados a fim de verificar se eles depõem em favor da minha opinião de que a histeria não é uma entidade clínica independente.
A paciente de Breuer, Anna O., parece contradizer minha opinião e ser um exemplo de distúrbio histérico puro. Esse caso, porém, que foi tão útil para nosso conhecimento da histeria, não foi de modo algum considerado por seu observador do ponto de vista de uma neurose sexual, sendo agora inteiramente inútil para esse propósito. Quando comecei a analisar a segunda paciente, a Sra. Emmy von N., a expectativa de que a base da histeria fosse uma neurose sexual estava muito longe de minha mente. Eu acabara de sair da escola de Charcot e encarava a ligação da histeria com o tema da sexualidade como uma espécie de insulto – exatamente como fazem as próprias pacientes. Quando examino minhas notas sobre esse caso hoje em dia, parece-me não haver nenhuma dúvida de que ele deve ser visto como um caso grave de neurose de angústia acompanhada de expectativa ansiosa e fobias – uma neurose de angústia que se originara da abstinência sexual e se combinara com a histeria. O caso 3, de Miss Lucy R., talvez possa ser definido de maneira mais conveniente como um caso marginal de histeria pura. Foi uma histeria breve que seguiu um curso episódico e tinha uma inconfundível etiologia sexual do tipo que corresponderia a uma neurose de angústia. A paciente era uma moça plenamente madura, que precisava ser amada e cujos afetos tinham sido despertados, muito apressadamente, por um mal-entendido. A neurose de angústia, contudo, não se tornou visível ou me escapou. O caso 4, de Katharina, nada mais era do que um modelo do que classifiquei de “angústia virginal”. Era uma combinação de neurose de angústia e histeria. A primeira criava os sintomas, enquanto a segunda os repetia e se valia deles para atuar. A propósito, era um caso típico de um grande número de neuroses de pessoas jovens que são classificadas de “histeria”. O caso 5, da Srta. Elisabeth von R., também não foi investigado como neurose sexual. Pude apenas expressar, sem confirmá-la, a suspeita de que uma neurastenia espinhal talvez tivesse constituído sua base | ver em [1]|.
Devo acrescentar, todavia, que nesse meio tempo as histerias puras se tornaram ainda mais raras em minha experiência. Se pude reunir esses quatro casos como de histeria e se, ao relatá-los, pude desprezar os pontos de vista que eram de importância quanto às neuroses sexuais, a razão foi que essas histórias remontam a um tempo algo distante e que, naquela época, eu ainda não submetia tais casos a uma investigação deliberada e minuciosa de sua base sexual neurótica. E se, em vez desses quatro, não relatei doze casos cuja análise proporciona uma confirmação do mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos proposto por nós, essa relutância foi exigida pelo próprio fato de que a análise revelou esses casos como sendo, simultaneamente, neuroses sexuais, embora por certo nenhum diagnosticador lhes recusasse o nome de histeria. Mas a elucidação dessas neuroses sexuais ultrapassaria os limites da presente publicação conjunta.
Eu não gostaria que se pensasse, erroneamente, que não desejo admitir que a histeria é uma afecção neurótica independente, que a considero meramente uma manifestação psíquica da neurose de angústia e que lhe atribuo apenas os sintomas “ideogênicos”, transferindo os sintomas somáticos (por exemplo, pontos histerogênicos e anestesias) para a neurose de angústia. Nada disso. Em minha opinião, é possível lidar com a histeria, liberada de qualquer mistura, como algo independente, e fazê-lo em todos os aspectos, salvo na terapêutica, pois nesta estamos voltados para uma finalidade prática – livrarmo-nos do estado patológico como um todo. E se em geral a histeria aparece como componente de uma neurose mista, essa situação se assemelha àquela em que há uma infecção mista e em que a preservação da vida cria um problema que não coincide com o de combater a ação de um agente patogênico específico.
É muito importante para mim distinguir o papel desempenhado pela histeria, no quadro das neuroses mistas, do papel desempenhado pela neurastenia, pela neurose de angústia e assim por diante, pois, uma vez feita essa distinção, poderei expressar de maneira concisa o valor terapêutico do método catártico. E isso porque me inclino a arriscar a afirmação de que esse método é, em termos teóricos, perfeitamente capaz de eliminar qualquer sintoma histérico, ao passo que, como será fácil compreender, ele é inteiramente impotente contra os fenômenos da neurastenia e só raramente e por vias indiretas, é capaz de influenciar os efeitos psíquicos da neurose de angústia. Sua eficácia terapêutica em qualquer caso específico dependerá, por conseguinte de os componentes histéricos do quadro clínico assumirem ou não uma posição de importância prática em comparação com os outros componentes neuróticos.
Existe ainda outro obstáculo à eficácia do método catártico, que já indicamos na “Comunicação Preliminar” | ver em [1]|. Ele não consegue afetar as causas subjacentes da histeria: assim, não consegue impedir que novos sintomas tomem o lugar daqueles que foram eliminados. Grosso modo, portanto, cabe-me reivindicar um lugar de destaque para nosso método terapêutico quando empregado dentro do contexto de uma terapia das neuroses, mas eu gostaria de advertir contra a apreciação de seu valor ou sua aplicação fora desse contexto. Entretanto, uma vez que não posso, nestas páginas, oferecer uma “terapia das neuroses” do tipo de que os clínicos precisam, o que acabo de dizer equivale a adiar minha visão do assunto para uma possível publicação ulterior. Penso, no entanto, poder acrescentar as seguintes observações à guisa de ampliação e elucidação.
(1) Não sustento ter de fato eliminado todos os sintomas histéricos que me dispus a influenciar pelo método catártico. Mas sou da opinião de que os obstáculos residiram nas circunstâncias pessoais das pacientes e não se deveram a qualquer questão de teoria. Sinto-me justificado a desconsiderar esses casos malsucedidos ao formar um juízo sobre o assunto, da mesma forma que um cirurgião despreza os casos de morte ocorridos sob anestesia, devido a hemorragia pós-operatória, sepsia acidental, etc., ao tomar uma decisão sobre uma nova técnica. Quando vier a abordar as dificuldades e os defeitos do processo, mais adiante, voltarei a uma consideração das falhas oriundas dessa fonte. | ver em [1].|
(2) O método catártico não deve ser considerado sem valor pelo fato de ser sintomático, e não causal, pois a rigor a terapia causal é, via de regra, uma terapia profilática; ela faz com que cessem quaisquer efeitos adicionais do agente nocivo, mas não elimina, necessariamente, os resultados que esse agente já causou. Em geral, uma segunda fase de tratamento é necessária para realizar esta segunda tarefa, e nos casos de histeria o método catártico é de valor inestimável para esse fim.
(3) Depois que um período de produção histérica, um paroxismo histérico agudo, é superado e tudo o que resta são sintomas histéricos sob a forma de fenômenos residuais, o método catártico é suficiente para todas as indicações e promove êxitos completos e permanentes. Tal quadro terapêutico favorável não raro é encontrado precisamente na esfera da vida sexual, graças às amplas oscilações da intensidade das necessidades sexuais e às complicações das condições necessárias para provocar um trauma sexual. Aqui o método catártico faz tudo o que se pode esperar dele, pois um médico não pode atribuir-se a tarefa de alterar uma constituição como a histérica. Deve contentar-se em eliminar os problemas a que tal constituição está inclinada e que podem decorrer dela em conjunto com as circunstâncias externas. Deve sentir-se satisfeito se o paciente recuperar sua capacidade de trabalho. Além disso, não precisa ficar desanimado quanto ao futuro, ao considerar a possibilidade de uma recaída. Ele está ciente do aspecto principal da etiologia das neuroses – que sua gênese é, em geral, sobredeterminada, que vários fatores precisam reunir-se para produzir esse resultado; e poderá ter esperança de que essa convergência não se repita de uma só vez, mesmo que alguns fatores etiológicos individuais permaneçam atuantes.
Talvez se possa objetar que, em casos de histeria como esse, em que a doença já completou seu curso, os sintomas residuais, de qualquer modo, desaparecem espontaneamente. Pode-se replicar, porém, que uma cura espontânea desse tipo muitas vezes não é rápida nem completa o bastante, e que pode ser ajudada num grau extraordinário por nossa intervenção terapêutica. Podemos deixar em aberto, por enquanto, a questão de se por meio da terapia catártica curamos apenas o que é passível de cura espontânea ou, algumas vezes, também o que não se teria dissipado espontaneamente.
(4) Quando nos defrontamos com uma histeria aguda, um caso que esteja atravessando o período da produção mais ativa de sintomas histéricos, no qual o ego seja constantemente subjugado pelos produtos da doença (isto é, durante uma psicose histérica), até mesmo o método catártico fará poucas alterações no aparecimento e na evolução do distúrbio. Nessas circunstâncias, vemo-nos, no que diz respeito à neurose, na mesma posição de um médico que se defronta com uma doença infecciosa aguda. Os fatores etiológicos realizaram suficientemente seu trabalho numa época que já passou e que está fora do alcance de qualquer influência; e agora, passado o período de incubação, eles se tornaram manifestos. A doença não pode ser interrompida de súbito. Temos de esperar que siga seu curso e, enquanto isso, tornar a situação do paciente tão favorável quanto possível. Quando, durante um período agudo como esse, eliminamos os produtos da doença, os sintomas histéricos recém-gerados, devemos também estar preparados para descobrir que aqueles que foram eliminados serão prontamente substituídos por outros. Não será poupado ao médico o sentimento deprimente de estar às voltas com uma tarefa de Sísifo. O imenso dispêndio de trabalho e a insatisfação da família do paciente, para quem a extensão inevitável de uma neurose aguda não tende a ser tão familiar quanto é o caso análogo de uma moléstia infecciosa aguda – em geral, estas e outras dificuldades provavelmente tornarão impossível, de qualquer modo, uma aplicação sistemática do método catártico. Não obstante, continua sendo um assunto para séria reflexão a questão de se é ou não verdade que, mesmo numa histeria aguda, a elucidação regular dos produtos da doença exerce uma influência curativa, ao apoiar o ego normal do paciente, que se acha ocupado no trabalho de defesa, e ao impedi-lo de ser subjugado e cair numa psicose, e talvez até num estado permanente de confusão.
O que o método catártico é capaz de realizar, mesmo na histeria aguda, e como pode até mesmo restringir a nova produção de sintomas patológicos, de uma forma que tem importância prática, é revelado de maneira bem clara pelo caso clínico de Anna O., em que Breuer aprendeu originalmente a empregar tal processo psicoterapêutico.
(5) Quando se trata de histerias que seguem um curso crônico, acompanhadas de uma produção moderada, mas constante, de sintomas histéricos, encontramos a mais forte razão para lamentar nossa falta de uma terapia que tenha eficácia causal, mas temos também os maiores motivos para apreciar o valor do processo catártico como terapia sintomática. Em tais casos temos que lidar com o dano produzido por uma etiologia que persiste de maneira crônica. Tudo depende de reforçar a capacidade de resistir do sistema nervoso do paciente, e devemos lembrar que a existência de um sintoma histérico significa uma diminuição da resistência do sistema nervoso e representa um fator que predispõe à histeria. Como se pode ver pelo mecanismo da histeria monossintomática, a maneira mais fácil de se formar um novo sintoma histérico é em relação e em analogia com outro que já esteja presente. O ponto no qual um sintoma já irrompeu uma vez (ver em [1]) constitui um ponto fraco onde ele irromperá novamente da vez seguinte. Um grupo psíquico que já tenha sido expelido uma vez desempenha o papel de cristal “provocador” a partir do qual se inicia, com a maior facilidade, uma cristalização que de outra forma não teria ocorrido | ver em [1]|. Eliminar os sintomas já presentes e desfazer as alterações psíquicas subjacentes a eles é devolver aos pacientes toda a sua capacidade de resistência, de modo que possam suportar com êxito os efeitos do agente prejudicial. Muito se pode fazer por esses pacientes através de uma supervisão prolongada e de uma “limpeza de chaminé” ocasional (ver em [1]).
(6) Resta-me citar a aparente contradição entre admitir que nem todos os sintomas histéricos são psicogênicos e afirmar que todos eles podem ser eliminados por um processo psicoterapêutico. A solução está no fato de que alguns desses sintomas não-psicogênicos (os estigmas, por exemplo), são, é verdade, sinais de doença, mas não podem ser classificados de moléstias e conseqüentemente não tem importância prática que eles persistam após o tratamento bem-sucedido da doença. Quanto a outros sintomas desses, parece que, de alguma forma indireta, eles são eliminados juntamente com os sintomas psicogênicos, do mesmo modo que, afinal, de alguma forma indireta dependem de uma causação psíquica.
Devo agora considerar as dificuldades e desvantagens de nosso processo terapêutico, na medida em que elas não se tornem óbvias para todos a partir dos casos clínicos relatados antes ou das observações sobre a técnica do método que se seguem mais adiante. Irei sobretudo enumerar e indicar essas dificuldades, e não entrar em pormenores sobre elas.
O processo é laborioso e exige muito tempo do médico. Pressupõe grande interesse pelos acontecimentos psicológicos, mas também um interesse pessoal pelos pacientes. Não consigo me imaginar sondando o mecanismo psíquico de uma histeria de alguém que me causasse a impressão de ser vulgar e repelente e que, num conhecimento mais íntimo, não fosse capaz de despertar solidariedade humana, ao passo que consigo manter o tratamento de um paciente tabético ou reumático, independentemente de uma aprovação pessoal desse tipo. As exigências feitas ao paciente não são menores. O processo não é de modo algum aplicável abaixo de certo nível de inteligência, sendo extremamente dificultado por qualquer vestígio de debilidade mental. A concordância e a atenção integrais dos pacientes são necessárias, mas, acima de tudo, é preciso contar com sua confiança, visto que a análise invariavelmente leva à revelação dos eventos psíquicos mais íntimos e secretos. Grande número dos pacientes que se adequariam a essa forma de tratamento abandonam o médico tão logo começam a suspeitar da direção para a qual a investigação está conduzindo. Para tais pacientes, o médico continua a ser um estranho. Com outros, que resolvem colocar-se em suas mãos e depositar sua confiança nele – um passo que em outras situações dessa natureza só é dado voluntariamente, e nunca a pedido do médico -, com esses pacientes, repito, é quase inevitável que sua relação pessoal com ele assuma indevidamente, pelo menos por algum tempo, o primeiro plano.Na verdade, parece que tal influência por parte do médico é uma condição sine qua non para a solução do problema. Não penso que faça qualquer diferença essencial, nesse sentido, se a hipnose poderá ser utilizada ou se terá que ser contornada e substituída por outra coisa. Mas a razão exige que ressaltemos o fato de que esses obstáculos, embora inseparáveis de nosso método, não podem ser atribuídos unicamente a ele. Pelo contrário, está bastante claro que eles se baseiam nas condições predeterminantes das neuroses a serem curadas e que têm de estar ligados a qualquer atividade médica que envolva uma intensa preocupação com o paciente e conduza a uma modificação psíquica nele. Não pude atribuir nenhum efeito deletério ou qualquer perigo ao emprego da hipnose, embora a tenha usado abundantemente em alguns de meus casos. Nas situações em que causei algum dano, as razões foram outras e mais profundas. Ao examinar meus esforços terapêuticos desses últimos anos, desde que as comunicações feitas por meu estimado mestre e amigo Josef Breuer me mostraram a utilidade do método catártico, creio que, apesar de tudo, fiz muito mais, e com maior freqüência, o bem do que o mal, e consegui algumas coisas que nenhum outro processo terapêutico poderia ter alcançado. De modo geral, como disse a “Comunicação Preliminar”, ele trouxe “consideráveis vantagens terapêuticas” | ver em [1]|.
Há uma outra vantagem no uso desse processo que devo ressaltar. Não conheço melhor forma de começar a compreender um caso grave de neurose complicada, com maior ou menor mistura de histeria, do que submetendo-o a uma análise pelo método de Breuer. A primeira coisa que acontece é o desaparecimento de qualquer coisa que exiba um mecanismo histérico. Entrementes, aprendi, no curso das análises, a interpretar os fenômenos residuais e a traçar-lhes a etiologia, e assim assegurei uma base firme para decidir qual das armas do arsenal terapêutico contra as neuroses é indicada no caso em questão. Ao refletir sobre a diferença que costumo encontrar entre meu julgamento sobre um caso de neurose antes e depois de uma análise, sinto-me quase inclinado a considerar a análise essencial à compreensão de uma doença neurótica. Além disso, adotei o hábito de combinar a psicoterapia catártica com uma cura de repouso, que pode, se necessário, estender-se a um tratamento completo de dieta alimentar nos moldes de Weir Mitchell. Isso me dá a vantagem de poder, por um lado, evitar a introdução muito perturbadora de novas impressões psíquicas durante a psicoterapia, e, por outro, eliminar o tédio de uma cura de repouso, na qual os pacientes não raro caemno hábito de entregar-se a devaneios prejudiciais. Poder-se-ia esperar que o trabalho psíquico, freqüentemente muito intenso, imposto aos pacientes durante um tratamento catártico, bem como as excitações resultantes da reprodução de experiências traumáticas, fossem de encontro às intenções do método da cura de repouso de Weir Mitchell e prejudicassem os êxitos que estamos acostumados a vê-lo trazer. Mas é o oposto que de fato se verifica. Uma combinação dos métodos de Breuer e de Weir Mitchell produz todas as melhoras físicas que esperamos deste último, além de ter uma influência psíquica de grande amplitude, que jamais resulta de uma cura de repouso sem psicoterapia.
(2)
Voltarei agora a minha observação anterior | ver em [1]| de que, em minhas tentativas de aplicar mais amplamente o método de Breuer, deparei com a dificuldade de que muitos pacientes não eram hipnotizáveis, embora seu diagnóstico fosse de histeria e parecesse provável que o mecanismo psíquico por nós descrito atuasse neles. Eu precisava da hipnose para ampliar-lhes a memória, a fim de descobrir as lembranças patogênicas que não estavam presentes em seu estado comum de consciência. Assim, eu era obrigado a desistir da idéia de tratar tais pacientes, ou a me esforçar por promover essa ampliação de alguma outra forma.
Eu era tão incapaz quanto qualquer outra pessoa de explicar por que uma pessoa pode ser hipnotizada e outra não, e assim não podia adotar um método causal para enfrentar essa dificuldade. Notei, contudo, que em alguns pacientes o obstáculo era ainda mais arraigado: eles recusavam até mesmo qualquer tentativa de hipnose. Ocorreu-me então, um dia, a idéia de que os dois casos poderiam ser idênticos e de que ambos poderiam significar uma indisposição: que as pessoas não hipnotizáveis eram as que faziam uma objeção psíquica à hipnose, quer sua objeção se expressasse como má vontade ou não. Não está claro para mim se posso manter este ponto de vista.
O problema, porém, estava em como contornar a hipnose e, ainda assim, obter as lembranças patogênicas. Consegui fazer isso da maneira que relato a seguir.
Quando, em nossa primeira entrevista, eu perguntava a meus pacientes se se recordavam do que tinha originariamente ocasionado o sintoma em questão, em alguns casos eles diziam não saber nada a esse respeito,enquanto, em outros, traziam à baila algo que descreviam como uma lembrança obscura e não conseguiam prosseguir. Quando, seguindo o exemplo de Bernheim ao provocar em seus pacientes impressões provenientes do estado sonambúlico que tinham aparentemente sido esquecidas (ver em [1] e seg.), eu me tornava insistente – quando lhes assegurava que eles efetivamente sabiam, que aquilo lhes viria à mente – então, nos primeiros casos, algo de fato lhes ocorria, e nos outros a lembrança avançava mais um pouco. Depois disso, eu ficava ainda mais insistente: dizia aos pacientes que se deitassem e fechassem deliberadamente os olhos a fim de se “concentrarem” – o que tinha pelo menos alguma semelhança com a hipnose. Verifiquei então que, sem nenhuma hipnose, surgiam novas lembranças que recuavam ainda mais no passado e que provavelmente se relacionavam com nosso tema. Experiências como essas fizeram-me pensar que seria de fato possível trazer à luz, por mera insistência, os grupos patogênicos de representações que, afinal de contas, por certo estavam presentes. E visto que essa insistência exigia esforços de minha parte, e assim sugeria a idéia de que eu tinha de superar uma resistência, a situação conduziu-me de imediato à teoria de que, por meio de meu trabalho psíquico, eu tinha de superar uma força psíquica nos pacientes que se opunha a que as representações patogênicas se tornassem conscientes (fossem lembradas). Uma nova compreensão pareceu abrir-se ante meus olhos quando me ocorreu que esta sem dúvida deveria ser a mesma força psíquica que desempenhara um papel na geração do sintoma histérico e que, na época, impedira que a representação patogênica se tornasse consciente. Que espécie de força poder-se-ia supor que estivesse em ação ali, e que motivo poderia tê-la posto em ação? Pude formar com facilidade uma opinião sobre isso, pois já dispunha de algumas análises concluídas em que viera a conhecer exemplos de representações que eram patogênicas e que tinham sido esquecidas e expulsas da consciência. A partir desses exemplos, reconheci uma característica universal de tais representações: eram todas de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de autocensura e de dor psíquica, além do sentimento de estar sendo prejudicado; eram todas de uma espécie que a pessoa preferiria não ter experimentado, que preferiria esquecer. De tudo isso emergiu, como que de forma automática, a idéia de defesa. Com efeito, em geral os psicólogos têm admitido que a aceitação de uma nova representação (aceitação no sentido de crer ou de reconhecer como real) depende da natureza e tendência das representações já reunidas no ego, e inventaram nomes técnicos especiais para esse processo de censura a que a nova representação deve submeter-se. O ego do paciente teria sido abordado por uma representação que se mostrara incompatível, o que provocara, por parte do ego, uma força de repulsão cuja finalidade seria defender-se da representação incompatível. Essa defesa seria de fato bem-sucedida. A representação em questão fora forçada para fora da consciência e da memória. Seu traço psíquico foi aparentemente perdido de vista. Não obstante, esse traço deveria estar ali. Quando eu me esforçava por dirigir a atenção do paciente para ele, apercebia-me, sob a forma de resistência, da mesma força que se mostrara sob a forma de repulsão quando o sintoma fora gerado. Ora, se eu pudesse fazer com que parecesse provável que a representação se tornara patogênica precisamente em conseqüência de sua expulsão e de seu recalcamento, a cadeia pareceria completa. Em várias discussões sobre nossos casos clínicos e num breve artigo sobre “As Neuropsicoses de Defesa” (1894a), tentei esboçar as hipóteses psicológicas com cuja ajuda essa ligação causal – o fato da conversão – pode ser demonstrada.
Assim, uma força psíquica, uma aversão por parte do ego, teria originariamente impelido a representação patogênica para fora da associação e agora se oporia a seu retorno à memória. O “não saber” do paciente histérico seria, de fato, um “não querer saber” – um não querer que poderia, em maior ou menor medida, ser consciente. A tarefa do terapeuta, portanto, está em superar, através de seu trabalho psíquico, essa resistência à associação. Ele o faz, em primeiro lugar, “insistindo”, usando a compulsão psíquica para dirigir a atenção dos pacientes para os traços representativos que está buscando. Seus esforços, contudo, não se esgotam aí, mas, como demonstrarei, assumem outras formas no decorrer da análise e recorrem a outras forças psíquicas para assistir-lhes.
Devo repisar um pouco mais a questão da insistência. As simples afirmações do tipo “é claro que você sabe”, “diga-me assim mesmo” ou “você logo se lembrará” não nos levam muito longe. Mesmo com pacientes num estado de “concentração”, o fio da meada se quebra após algumas frases. Não se deve esquecer, entretanto, que se trata sempre aqui de uma comparação quantitativa, de uma luta entre forças motivacionais de diferentes graus de vigor ou intensidade. A insistência por parte de um médico estranho, não familiarizado com o que está acontecendo, não é poderosa o bastante para lidar com a resistência à associação nos casos graves de histeria. Devemos pensar em meios mais vigorosos.
Nessas circunstâncias, valho-me em primeiro lugar de um pequeno artifício técnico. Informo ao paciente que, um momento depois, farei pressão sobre sua testa, e lhe asseguro que, enquanto a pressão durar, ele verá diante de si uma recordação sob a forma de um quadro, ou a terá em seus pensamentos sob a forma de uma idéia que lhe ocorra; e lhe peço encarecidamente que me comunique esse quadro ou idéia, quaisquer que sejam. Não deve guardá-los para si se acaso achar que não é o que se quer, ou não são a coisa certa, nem por ser-lhe desagradável demais contá-lo. Não deve haver nenhuma crítica, nenhuma reticência, quer por motivos emocionais, quer porque os julgue sem importância. Só assim podemos encontrar aquilo que estamos procurando, mas assim o encontraremos infalivelmente. Depois de dizer isso, pressiono por alguns segundos a testa do paciente deitado diante de mim; em seguida, relaxo a pressão e pergunto calmamente, como se não houvesse nenhuma hipótese de decepção: “que você viu?”, ou “que lhe ocorreu?”
Esse método muito me ensinou e também nunca deixou de alcançar sua finalidade. Hoje, não posso mais passar sem ele. Naturalmente, estou ciente de que a pressão na testa poderia ser substituída por qualquer outro sinal, ou por algum outro exercício de influência física sobre o paciente, mas, já que o paciente está deitado diante de mim, pressionar sua testa ou tomar-lhe a cabeça entre minhas mãos parece ser o modo mais conveniente de empregar a sugestão para a finalidade que tenho em vista. Ser-me-ia possível dizer, para explicar a eficácia desse artifício, que ele corresponde a uma “hipnose momentaneamente intensificada”, mas o mecanismo da hipnose me é tão enigmático que eu preferiria não utilizá-lo como explicação. Sou, antes, de opinião que a vantagem do processo reside no fato de que, por meio dele, desvio a atenção do paciente de sua busca e reflexão conscientes – de tudo, em suma, em que ele possa empregar sua vontade – do mesmo modo que isso é feito quando se olha fixamente para uma bola de cristal, e assim por diante. A conclusão que tiro do fato de que o que estou procurando sempre aparece sob a pressão de minha mão é a seguinte: a representação patogênica aparentemente esquecida está sempre “à mão” e pode ser alcançada por associações facilmente acessíveis. É uma simples questão de retirar algum obstáculo do caminho. Este obstáculo parece, mais uma vez, ser a vontade do sujeito, e diferentes pessoas podem aprender, com diferentes graus de facilidade, a se liberar de seu pensamento intencional e a adotar uma atitude de observação inteiramente objetiva dos processos psíquicos que nelas se verificam.
O que emerge sob a pressão de minha mão nem sempre é uma lembrança “esquecida”; apenas nos casos mais raros é que as lembranças patogênicas reais acham-se tão facilmente à mão na superfície. É muito mais freqüente o surgimento de uma representação que é um elo intermediário na cadeia de associações entre a representação da qual partimos e a representação patogênica que procuramos; ou pode ser uma representação que constitui o ponto de partida de uma nova série de pensamentos e lembranças, ao fim da qual a representação patogênica será encontrada. É verdade que, quando isso acontece, minha pressão não revela a representação patogênica – que, de qualquer modo, seria incompreensível, arrancada de seu contexto e sem que se fosse levado até ela – mas aponta o caminho para ela e indica o sentido em que se devem fazer maiores pesquisas. A representação provocada em primeiro lugar pela pressão nesses casos pode ser uma lembrança familiar que nunca foi recalcada. Quando em nosso caminho para a representação patogênica o fio se interrompe mais uma vez, é necessária apenas uma repetição do processo, da pressão, para nos dar novas orientações e um novo ponto de partida.
Ainda em outras ocasiões a pressão da mão provoca uma lembrança que é em si mesma familiar ao paciente, mas cujo surgimento o surpreende por ele ter-se esquecido de sua relação com a representação de que partimos. Essa relação é então confirmada no desenvolvimento subseqüente da análise. Todas essas conseqüências da pressão dão-nos uma impressão ilusória de haver uma inteligência superior fora da consciência do paciente, que mantém um grande volume de material psíquico organizado para fins específicos e fixou uma ordem planejada para seu retorno à consciência. Suspeito, porém, de que essa segunda inteligência inconsciente nada mais seja do que uma aparência.
Em toda análise mais ou menos complicada, o trabalho é efetuado pelo uso repetido, na verdade contínuo, desse método de pressão sobre a testa. Algumas vezes, partindo de onde a retrospectiva de vigília do paciente se interrompe, esse procedimento aponta o outro caminho a seguir através das lembranças das quais o paciente permaneceu consciente; por vezes, chama a atenção para ligações que foram esquecidas; noutras, evoca e organiza lembranças que foram retiradas das associações por muitos anos, mas que ainda podem ser reconhecidas como lembranças; e às vezes, por fim, como auge de sua realização em termos do pensamento reprodutivo, ele faz com que emerjam pensamentos que o paciente jamais reconhece como seus, dos quais nunca se recorda, embora admita que o contexto os exige inexoravelmente e se convença de que são precisamente essas idéias que levam à conclusão da análise e à eliminação de seus sintomas.
Tentarei enumerar alguns exemplos dos excelentes resultados obtidos com esse procedimento técnico.
Tratei de uma moça que sofria de intolerável tussis nervosa que se arrastava por seis anos. Sua tosse obviamente se alimentava de qualquer catarro comum, mas, não obstante, devia ter fortes motivações psíquicas. Todos os outros tipos de terapia há muito se haviam mostrado impotentes contra ela. Portanto, tentei eliminar o sintoma por meio da análise psíquica. Tudo o que a jovem sabia era que sua tosse nervosa começara quando, na idade de quatorze anos, ela estava morando com uma tia. Ela sustentava não saber de quaisquer agitações mentais naquela época, e não acreditava que houvesse nenhum motivo para sua queixa. Sob a pressão de minha mão, ela se lembrou, em primeiro lugar, de um grande cachorro. Em seguida, reconheceu o quadro em sua memória: era um cão de sua tia que ficara afeiçoado à paciente, acompanhava-a por toda parte, e assim por diante. E então lhe ocorreu, sem maior instigação, que esse cão havia morrido, que as crianças o enterraram com solenidade e que a tosse havia começado na volta do enterro. Perguntei-lhe por que, mas tive mais uma vez que recorrer à ajuda da pressão. Veio-lhe então o seguinte pensamento: “Agora estou inteiramente só no mundo. Ninguém aqui me ama. Esse animal era meu único amigo, e agora eu o perdi.” Prosseguiu com sua história: “A tosse desapareceu quando deixei a casa de minha tia, mas voltou dezoito meses depois.” “Por quê?” “Não sei.” Usei novamente a pressão. Ela se lembrou da notícia da morte do tio, quando a tosse começara de novo, e também se lembrou de ter tido uma cadeia de pensamentos semelhante. O tio parece ter sido o único membro da família que mostrara qualquer afeição por ela, que a havia amado. Ali estava, portanto, a representação patogênica. Ninguém a amava, preferiam qualquer outro a ela, ela não merecia ser amada, e assim por diante. Mas havia alguma coisa vinculada à representação de “amor” que ela mostrava forte resistência em me contar. A análise foi interrompida antes que isso fosse esclarecido.
Há algum tempo pediram-me que aliviasse uma senhora idosa de seus ataques de angústia, embora, a julgar por seus traços de caráter, ela dificilmente se prestasse a um tratamento dessa espécie. Desde a menopausa ela ficara excessivamente devota, e em cada visita costumava receber-me armada de um pequeno crucifixo de marfim oculto em sua mão, como se eu fosse o Demônio. Seus ataques de angústia, que eram de natureza histérica, remontavam aos primeiros anos da juventude e, de acordo com a paciente, haviam-se originado do uso de um preparado de iodo destinado a reduzir um discreto crescimento de sua tireóide. Naturalmente, rejeitei essa origem e tentei encontrar outra que se harmonizasse melhor com meus pontos de vista sobre a etiologia das neuroses. Pedi-lhe primeiro que me desse alguma impressão de sua juventude que tivesse uma relação causal com seus ataques de angústia e, sob a pressão de minha mão, surgiu a lembrança de ela ter lido o que é chamado de livro “edificante”, no qual se fazia uma menção, em tom suficientemente respeitoso, aos processos sexuais. O trecho em questão causara na moça uma impressão inteiramente oposta à intenção do autor: ela irrompera em lágrimas e arremessara o livro para longe. Isso foi antes de seu primeiro ataque de angústia. Uma segunda pressão sobre a testa da paciente evocou outra reminiscência – a lembrança de um tutor de seus irmãos que havia manifestado grande admiração por ela, e por quem ela própria nutrira sentimentos um tanto calorosos. Essa lembrança culminou com a reconstituição de uma noite na casa de seus pais, quando todos se haviam sentado em torno da mesa com o rapaz e se haviam divertido imensamente numa animada conversa. Na madrugada seguinte a essa noite, ela foi despertada por seu primeiro ataque de angústia, que, pode-se afirmar com segurança, teve mais a ver com o repúdio de um impulso sensual do que com quaisquer doses concomitantes de iodo. – Que perspectiva teria eu tido, com qualquer outro método, de revelar tal ligação, contra suas próprias opiniões e asserções, nessa paciente recalcitrante que tinha tantos preconceitos contra mim e contra qualquer forma de terapia comum?
Outro exemplo diz respeito a uma mulher jovem e bem-casada. Ainda nos primeiros anos de sua adolescência, ela costumava por algum tempo ser encontrada todas as manhãs num estado de estupor, com os membros rígidos, a boca aberta e a língua para fora; e agora, mais uma vez, estava sofrendo, ao despertar, de acessos que eram semelhantes, embora não tão graves. Como a hipnose profunda se revelou inobtenível, comecei a investigar enquanto ela estava num estado de concentração. À primeira pressão, assegurei-lhe que ela veria algo que estava diretamente relacionado com as causas de seu estado na infância. Ela era tranqüila e cooperativa. Viu mais uma vez a casa em que passara os primeiros anos de sua juventude, seu próprio quarto, a posição de sua cama, a avó, que morava com eles naquela época, e uma de suas governantas, de quem gostava muito. Algumas pequenas cenas, todas sem importância, ocorridas nesses aposentos e em meio a essas pessoas, sucederam-se umas às outras; terminaram com a partida da governanta, que fora embora para se casar. Não pude depreender absolutamente nada dessas reminiscências; não consegui estabelecer nenhuma relação entre elas e a etiologia dos ataques. Várias circunstâncias mostravam, contudo, que elas pertenciam ao mesmo período em que os ataques haviam surgido. Mas antes que eu pudesse prosseguir na análise, tive oportunidade de conversar com um colega que, anos antes, fora o médico da família dos pais de minha paciente. Ele me deu a seguinte informação: na época em que tratara da menina por causa de seus primeiros ataques, ela se aproximava da maturidade e já era muito desenvolvida fisicamente, e ele ficara surpreso com a excessiva afetuosidade que havia na relação entre ela e a governanta que estava na casa na ocasião. Ficara desconfiado e induziu a avó a manter vigilância sobre aquele relacionamento. Após um curto período, a senhora pôde informá-lo de que a governanta tinha o hábito de visitar a menina na cama à noite e que, após essas noites, a criança era invariavelmente encontrada na manhã seguinte presa de um ataque. Depois disso, não hesitaram em providenciar o discreto afastamento dessa corruptora de jovens. As crianças e até mesmo a mãe foram levadas a crer que a governanta partira a fim de se casar. – Minha terapia, que teve sucesso imediato, consistiu em transmitir à jovem senhora as informações que eu recebera.
Às vezes, as revelações que se obtêm através do método da pressão aparecem de forma muito marcante e em circunstâncias que tornam ainda mais tentadora a suposição de haver uma inteligência inconsciente. Assim, lembro-me de uma senhora que sofrera durante muitos anos de obsessões e fobias e que me indicou a infância como gênese de sua moléstia, mas que era também totalmente incapaz de dizer a que se poderia atribuir a culpa por esta última. Ela era franca e inteligente e opunha apenas uma resistência consciente notavelmente pequena. (Posso observar entre parênteses que o mecanismo psíquico das obsessões tem uma afinidade interna muito grande com os sintomas histéricos, e que a técnica de análise é a mesma para ambos.) Quando perguntei a essa senhora se vira alguma coisa ou recordara algo sob a pressão de minha mão, ela respondeu: “Nem uma coisa nem outra, mas de repente uma palavra me ocorreu.” “Uma única palavra?” “Sim, mas parece tola demais.” “De qualquer maneira, diga-a.” “Porteiro.” “Nada mais?” “Não.” Pressionei uma segunda vez e de novo uma palavra isolada lhe atravessou a mente: “Camisola.” Vi então que essa era uma nova espécie de método de resposta e, pressionando repetidas vezes, trouxe à tona o que parecia ser uma série de palavras sem sentido: “Porteiro” … “camisola” … “cama” … “carroça”. “O que significa tudo isso?”, perguntei. Ela refletiu um momento e a seguinte idéia lhe ocorreu: “Deve ser a história que acaba de me vir à mente. Quando eu tinha dez anos, e minha irmã mais velha, doze, certa noite ela enlouqueceu e teve que ser amarrada e levada para a cidade numa carroça. Lembro perfeitamente que foi o porteiro que a dominou e depois também foi com ela ao hospício.” Seguimos esse método de investigação e nosso oráculo produziu outra série de palavras que, embora não fôssemos capazes de interpretar todas, tornaram possível continuar essa história e passar para outra. Além disso, o significado dessa reminiscência ficou logo claro. A doença da irmã causara nela essa impressão tão profunda porque as duas partilhavam um segredo; dormiam no mesmo quarto e, uma noite, ambas sofreram as investidas sexuais de certo homem. A menção desse trauma sexual na infância da paciente revelou não apenas a origem de suas primeiras obsessões como também o trauma que em seguida produziu os efeitos patogênicos.
A peculiaridade desse caso estava apenas na emergência de palavras-chave isoladas, que tivemos de elaborar em frases, pois a aparente incoerência e impropriedade que caracterizavam as palavras enunciadas dessa forma oracular aplicam-se tanto às representações quanto às cenas completas que são normalmente produzidas sob minha pressão. Quando estas são acompanhadas, nunca se deixa de constatar que as reminiscências aparentemente desconexas se acham ligadas de modo estreito no pensamento e conduzem de forma bastante direta ao fator patogênico que estamos buscando. Por essa razão, apraz-me recordar um caso de análise no qual minha confiança nos produtos da pressão foi, de início, submetida a um rigoroso teste, mas depois brilhantemente justificada.
Uma jovem mulher casada, muito inteligente e aparentemente feliz, consultara-me sobre uma dor persistente no abdome, que resistia ao tratamento. Vi que a dor estava situada na parede abdominal e devia relacionar-se com indurações musculares palpáveis, e prescrevi um tratamento local. Alguns meses depois, tornei a examinar a paciente, e ela me disse: “A dor que eu sentia desapareceu após o tratamento que o senhor recomendou, e permaneceu assim por muito tempo. Mas agora ela voltou sob uma forma nervosa. Sei que é nervosa porque não é mais como eu costumava senti-la, ao fazer certos movimentos, mas só em certas ocasiões – por exemplo, quando acordo de manhã e quando fico agitada de certas maneiras.” O diagnóstico dessa jovem senhora estava certo. Tratava-se agora de descobrir a causa da dor, e ela não conseguiu ajudar-me nisso enquanto se achava num estado de consciência não influenciado. Quando lhe perguntei, em concentração e sob a pressão de minha mão, se algo lhe ocorria ou se via alguma coisa, ela me disse estar vendo e começou a descrever suas imagens visuais. Viu algo como um sol cheio de raios, que naturalmente tomei como um fosfeno produzido pela pressão nos olhos. Eu esperava que algo mais útil se seguisse. Mas ela prosseguiu: “Estrelas de uma curiosa luz azul-pálido, como o luar” e assim por diante, que julguei não serem mais do que cintilações, clarões e pontos brilhantes diante dos seus olhos. Já estava preparado para considerar a experiência como um fracasso e imaginava como poderia fazer uma retirada discreta do caso, quando minha atenção foi atraída por um dos fenômenos que ela descreveu. Viu uma grande cruz negra, inclinada, que tinha em volta de seus contornos o mesmo brilho luminoso com que todos os seus outros quadros haviam brilhado, e em cuja viga transversal bruxuleava uma pequena chama. Era claro que não podia mais tratar-se de um fosfeno. Passei então a escutar com atenção. Inúmeros quadros apareceram banhados na mesma luz, sinais curiosos que se pareciam muito com o sânscrito; figuras como triângulos, entre elas um grande triângulo; de novo a cruz… Dessa vez, suspeitei de um significado alegórico e perguntei o que poderia ser a cruz. “Provavelmente significa sofrimento”, respondeu. Objetei que por “cruz” em geral se quer dizer responsabilidade moral. Que estaria oculto por trás do sofrimento? Ela não soube dizer e prosseguiu com suas visões: um sol com raios dourados. E a isso também pôde interpretar: “É Deus, a força primeva.” Surgiu então um lagarto gigantesco que a contemplava de maneira inquisidora, mas não alarmante. A seguir, um grande número de cobras. Depois, mais uma vez, um sol, mas de raios suaves e prateados, e à sua frente, entre ela e essa fonte de luz, uma grade que escondia dela o centro do sol. Eu já sabia há algum tempo que estava lidando com alegorias e de imediato perguntei qual o sentido dessa última imagem. Ela respondeu sem hesitar: “O sol é a perfeição, o ideal, e a grade representa minhas fraquezas e falhas, que se interpõem entre mim e o ideal.” “A senhora está então se recriminando? Está insatisfeita consigo mesma?” “Na verdade, estou.” “Desde quando?” “Desde que passei a ser membro da Sociedade Teosófica e tenho lido suas publicações. Sempre me tive em baixa conta.” “O que lhe causou a mais forte impressão recentemente?” “Uma tradução do sânscrito que agora mesmo está saindo em fascículos.” Um momento depois eu era introduzido em suas lutas mentais e suas auto-recriminações e ouvia o relato de um episódio insignificante que dera margem à autocensura – uma ocasião na qual o que antes fora uma dor orgânica surgiu pela primeira vez como conseqüência da conversão de uma excitação. Os quadros que eu a princípio tomara por fosfenos eram símbolos de seqüências de representações influenciadas pelas ciências ocultas e, na verdade, talvez fossem emblemas provenientes das páginas de frontispício de livros de ocultismo.
Até aqui, tenho sido tão entusiasmado em meus louvores aos resultados da pressão como método auxiliar, e durante todo o tempo tenho negligenciado de tal maneira o aspecto da defesa ou resistência que, sem dúvida, deve ter dado a impressão de que esse pequeno artifício nos deixou em condições de dominar os obstáculos psíquicos a um tratamento catártico. Mas acreditar nisso seria cometer um grave erro. Êxitos dessa espécie, pelo que sei, não devem ser procurados no tratamento. Aqui, com em tudo o mais, uma grande mudança exige um grande volume de trabalho. A técnica da pressão nada mais é do que um truque para apanhar temporariamente desprevenido um ego ansioso por defender-se. Em todos os casos mais ou menos graves o ego torna a relembrar seus objetivos e oferece resistência.
Preciso mencionar as diferentes formas em que surge essa resistência. Uma delas é que, em geral, a técnica da pressão falha na primeira ou segunda ocasião. O paciente então declara, com grande desapontamento: “Esperava que alguma coisa me ocorresse, mas tudo em que pensei foi no grau de tensão com que estava esperando por isso. Não surgiu nada.” O fato de o paciente pôr-se assim em guarda ainda não chega a constituir um obstáculo. Podemos dizer em resposta: “é precisamente porque você estava curioso demais: da próxima vez dará resultado.” E de fato dá. É notável a freqüência com que os pacientes, mesmo os mais dóceis e inteligentes, conseguem esquecer-se por completo de seu compromisso, embora tenham concordado com ele de antemão. Uns prometem dizer o que quer que lhes ocorra sob a pressão de minha mão, independentemente de lhes parecer pertinente ou não e de lhes ser ou não agradável dizê-lo – isto é, prometem dizê-lo sem selecionar e sem serem influenciados pela crítica ou pelo afeto. Mas não cumprem essa promessa; evidentemente, fazê-lo está além de suas forças. O trabalho torna a ser paralisado, e eles continuam a dizer que dessa vez nada lhes ocorreu. Não devemos crer no que dizem; devemos sempre presumir, e dizer-lhes também, que eles retiveram algo porque o julgaram sem importância ou o acharam aflitivo. Devemos insistir nisso, devemos repetir a pressão e representar o papel de infalíveis, até que afinal nos contem alguma coisa. O paciente então acrescenta: “Eu poderia ter-lhe dito isso desde a primeira vez.” “Por que não disse?” “Não consegui acreditar que pudesse ser isso. Foi só quando continuou voltando todas as vezes que resolvi dizê-lo.” Ou então: “Esperava que não fosse logo isso. Eu poderia muito bem passar sem dizê-lo.Foi só quando isso se recusou a ser repelido que vi que não devia desprezá-lo.” Assim, a posteriori, o paciente trai os motivos de uma resistência que, de início, se recusava a admitir. É evidente que ele é incapaz de fazer outra coisa senão opor resistência.
Essa resistência muitas vezes se oculta por trás de notáveis desculpas. “Minha cabeça hoje está distraída; o relógio (ou o piano da sala ao lado) está me perturbando.” Aprendi a responder a tais observações: “De modo algum. Neste momento você esbarrou em alguma coisa que preferiria não dizer. Isso não lhe fará nenhum bem. Continue a pensar nela.” Quanto mais longa a pausa entre a pressão de minha mão e o momento em que o paciente começa a falar, mais desconfiado fico e mais se deve temer que o paciente esteja reorganizando o que lhe surgiu e o esteja mutilando em sua reprodução. Uma informação importantíssima é muitas vezes anunciada como sendo um acessório redundante, como um príncipe de ópera disfarçado de mendigo. “Agora me ocorreu uma coisa, mas não tem nada a ver com o assunto. Só estou lhe dizendo porque o senhor quer saber de tudo.” Palavras como essas em geral introduzem a solução há muito procurada. Sempre aguço os ouvidos quando ouço um paciente falar de forma tão depreciativa de algo que lhe ocorreu, pois é sinal de que a defesa foi bem-sucedida se as representações patogênicas parecem ter tão pouca importância ao reemergiram. Disso podemos inferir em que consistiu o processo de defesa: consistiu em transformar uma representação forte numa representação fraca, em roubá-la de seu afeto.
Portanto, uma lembrança patogênica é reconhecível, entre outras coisas, pelo fato de o paciente a descrever como sem importância e, não obstante, só enunciá-la sob resistência. Também existem casos em que o paciente tenta renegá-la mesmo após seu retorno. “Agora me ocorreu uma coisa, mas é óbvio que foi o senhor que a pôs em minha cabeça.” Ou então: “Sei o que o senhor espera que eu responda. É claro que acredita que pensei nisto ou naquilo.” Um método particularmente hábil de recusa está em dizer: “Agora me ocorreu uma coisa, é verdade, mas é como se eu a tivesse provocado de propósito. Não parece de modo algum ser um pensamento reproduzido.” Em todos esses casos, permaneço inabalavelmente firme. Evito entrar em qualquer uma dessas distinções, mas explico ao paciente que elas são apenas formas de sua resistência e pretextos por ela levantados contra a reprodução dessa lembrança em particular, que devemos reconhecer apesar de tudo isso.
Quando as lembranças retornam sob a forma de imagens, nossa tarefa costuma ser mais fácil do que quando voltam como pensamentos. Os pacientes histéricos, que em geral são do tipo “visual”, não oferecem tantas dificuldades ao analista quanto aqueles que têm obsessões.
Uma vez surgida uma imagem na memória do paciente, podemos ouvi-lo dizer que ela vai se tornando fragmentada e obscura à medida que ele continua a descrevê-la. O paciente está, por assim dizer, livrando-se dela ao transformá-la em palavras. Passamos a examinar a própria imagem lembrada para descobrir a direção em que nosso trabalho deve prosseguir. “Olhe para a imagem mais uma vez. Ela desapareceu?” “A maior parte, sim, mas ainda vejo um detalhe.” “Então esse resíduo ainda deve significar alguma coisa. Ou você verá alguma coisa nova além dele, ou algo lhe ocorrerá em ligação com ele.” Realizado esse trabalho, o campo de visão do paciente volta a ficar limpo e podemos evocar outro quadro. Em outras ocasiões, porém, uma dessas imagens permanece obstinadamente diante da visão interior do paciente, apesar de ele a ter descrito; para mim, isso é um indício de que ele ainda tem algo importante a me dizer sobre o tema da imagem. Tão logo isso é feito, a imagem desaparece, como um fantasma que fosse exorcizado.
Naturalmente, é de grande importância para o progresso da análise que o analista sempre mostre ter razão diante do paciente, caso contrário ficará sempre na dependência do que este resolver contar. Assim, é reconfortante saber que a técnica da pressão na verdade nunca falha, afora um único caso, que terei de examinar depois | ver em [1] e segs.|, mas do qual posso dizer desde logo que corresponde a um motivo particular para a resistência. Pode acontecer, é claro, que se faça uso do método em circunstâncias em que ele nada tenha a revelar. Por exemplo, podemos procurar a etiologia adicional de um sintoma quando já o temos por completo diante de nós, ou podemos investigar a genealogia psíquica de um sintoma, como uma dor, que de fato seja somático. Nesses casos, o paciente também afirmará que nada lhe ocorreu, e dessa vez terá razão. Podemos evitar cometer injustiças contra o paciente se nos habituarmos, como norma geral durante toda a análise, a observar-lhe a expressão facial quando ele estiver deitado em silêncio diante de nós. Assim poderemos aprender a distinguir sem dificuldade o sereno estado de ânimo que acompanha a verdadeira ausência de lembranças, da tensão e dos sinais de emoção com que ele tenta recusar a lembrança emergente, em obediência à defesa. Além disso, experiências como essa também possibilitam o uso da técnica da pressão para fins de diagnóstico diferencial.
Assim, mesmo com a assistência da técnica da pressão, de maneira alguma o trabalho é fácil. A vantagem que obtemos é descobrir, pelos resultados desse método, a direção em que temos de conduzir nossas indagações e as coisas em que temos de insistir junto ao paciente. Em alguns casos isso basta. O ponto principal é que devo adivinhar o segredo e dizê-lo diretamente ao paciente, sendo ele, em geral, obrigado a não mais rejeitá-lo.Em outros casos, mais alguma coisa é necessária. A persistente resistência do paciente é indicada pelo fato de que as ligações se interrompem, as soluções não aparecem e as imagens são recordadas de forma indistinta e incompleta. Voltando a olhar de um período posterior para um período anterior da análise, muitas vezes ficamos atônitos diante da maneira mutilada com que surgiram todas as idéias e cenas que extraímos do paciente pelo método da pressão. Precisamente os elementos essenciais do quadro estavam faltando – a relação do quadro com o próprio paciente ou com os principais conteúdos de seus pensamentos – e eis por que ele permanecia ininteligível.
Darei um ou dois exemplos da forma pela qual uma censura dessa espécie atua quando surgem pela primeira vez as lembranças patogênicas. Por exemplo, o paciente vê a parte superior de um corpo de mulher com o vestido mal fechado – por descuido, parece. Só muito depois é que ele coloca uma cabeça nesse tronco e assim revela uma determinada pessoa e sua relação com ela. Ou ele evoca de sua infância uma reminiscência sobre dois meninos. A aparência deles lhe é inteiramente obscura, mas ele diz que são culpados de algum malfeito. Só muitos meses depois, após a análise ter feito grandes progressos, é que ele revê essa reminiscência e se reconhece numa das crianças, e seu irmão na outra.
De que meios dispomos para superar essa resistência contínua? Poucos, mas abrangem quase todos pelos quais um homem pode comumente exercer uma influência psíquica sobre outro. Em primeiro lugar, devemos refletir que a resistência psíquica, em especial uma que esteja em vigor há muito tempo, só pode ser dissipada com lentidão, passo a passo, e devemos esperar com paciência. Em segundo lugar, podemos contar com o interesse intelectual que o paciente começa a sentir após trabalhar por um curto espaço de tempo. Explicando-lhe as coisas, dando-lhe informações sobre o mundo maravilhoso dos processos psíquicos que nós mesmos só começamos a discernir através dessas análises, nós o transformamos num colaborador, induzimo-lo a encarar a si mesmo com o interesse objetivo de um pesquisador e assim afastamos sua resistência, que repousa, de fato, numa base afetiva. Mas por último – e essa continua a ser a alavanca mais poderosa – devemos nos esforçar, depois de descobrirmos os motivos de sua defesa, por despojá-los de seu valor ou mesmo substituí-los por outros mais poderosos. É aqui, sem dúvida, que deixa de ser possível enunciar a atividade psicoterapêutica em fórmulas. Trabalha-se com o melhor da própria capacidade, como elucidador (ali onde a ignorância deu origem ao medo), como professor, como representante de um visão mais livre ou superior do mundo, como um padre confessor que ministra a absolvição, por assim dizer, pela permanência de sua compreensão e de seu respeito depois de feita a confissão. Tenta-se dar ao paciente assistência humana, até o ponto em que isso é permitido pela capacidade da própria personalidade de cada um e pela dose de compreensão que se possa sentir por cada caso específico. É uma precondição essencial para tal atividade psíquica que tenhamos mais ou menos adivinhando a natureza do caso e os motivos da defesa que nele atuam, e felizmente a técnica da insistência e da pressão nos leva até esse ponto. Quanto mais tenhamos solucionado tais enigmas, mais fácil achamos decifrar um novo enigma e mais cedo podemos iniciar o trabalho psíquico verdadeiramente curativo. Pois é bom reconhecer uma coisa com clareza: o paciente só se livra do sintoma histérico ao reproduzir as impressões patogênicas que o causaram e ao verbalizá-las com uma expressão de afeto; e assim a tarefa terapêutica consiste unicamente em induzi-lo a agir dessa maneira; uma vez realizada essa tarefa, nada resta ao médico para corrigir ou eliminar. O que quer que se faça necessário para esse fim em termos de contra-sugestões já terá sido despendido durante a luta contra a resistência. A situação pode ser comparada ao destrancamento de uma porta trancada, depois de sua abertura girando a maçaneta, não oferece nenhuma outra dificuldade.
Além das motivações intelectuais que mobilizamos para superar a resistência, há um fator afetivo, a influência pessoal do médico, que raramente podemos dispensar, e em diversos casos só este último fator está em condições de eliminar a resistência. A situação aqui não é diferente da que se pode encontrar em qualquer setor da medicina, não havendo processo terapêutico sobre o qual possamos dizer que dispensa por completo a cooperação desse fator pessoal.
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Em vista do que disse na seção precedente sobre as dificuldades de minha técnica, que expus extensamente (reuni-as, aliás, a partir dos casos mais graves; as coisas muitas vezes se passam de maneira muito mais conveniente) – em vista de tudo isso, portanto, sem dúvida, todos hão de sentir-se inclinados a perguntar se não seria mais vantajoso, em vez de enfrentar todas essas complicações, fazer uso mais enérgico da hipnose ou restringir o emprego do método catártico a pacientes que possam ser colocados em hipnose profunda. Quanto à segunda proposta, eu teria de responder que, nesse caso, o número de pacientes apropriados, até onde vai minha habilidade, seria por demais reduzido; e quanto ao primeiro conselho,desconfio de que a imposição forçada da hipnose não nos pouparia de muita resistência. Minhas experiências nesse aspecto, curiosamente, não têm sido numerosas, e não posso, portanto, ir além de uma suspeita. Mas nas situações em que apliquei um tratamento catártico sob hipnose, em vez de concentração, não achei que isso diminuísse o trabalho que eu tinha a executar. Não faz muito tempo, concluí um tratamento dessa espécie, e em seu decorrer fiz com que uma paralisia histérica das pernas desaparecesse. A paciente passava para um estado muito diferente, psiquicamente, do de vigília, e que no aspecto físico se caracterizava pelo fato de que lhe era impossível abrir os olhos ou levantar-se até que eu lhe dissesse em voz alta: “Agora, acorde!” Não obstante, jamais me defrontei com maior resistência do que nesse caso. Eu não atribuía nenhuma importância a esses sinais físicos e, ao aproximar-se o final do tratamento, que durou dez meses, eles haviam deixado de ser dignos de nota. Mas, apesar disso, o estado da paciente enquanto trabalhávamos não perdeu nenhuma de suas características psíquicas – a capacidade que possuía de lembrar-se de material inconsciente e sua relação toda especial com a figura do médico. Por outro lado, dei um exemplo, no relato do caso da Sra. Emmy von N., de um tratamento catártico no mais profundo sonambulismo, no qual a resistência mal chegou a desempenhar qualquer papel. Mas também é verdade que nada ouvi dessa senhora cujo relato pudesse ter exigido qualquer superação especial de objeções, nada que ela não me pudesse ter dito mesmo em estado de vigília, supondo-se que nos conhecêssemos há algum tempo e que ela me tivesse razoavelmente em boa conta. Nunca cheguei às verdadeiras causas de sua doença, que sem dúvida foram idênticas às causas de sua recaída após meu tratamento (pois essa foi minha primeira tentativa com esse método); e na única ocasião em que me aconteceu pedir-lhe uma reminiscência que envolvesse um elemento erótico | ver em [1]|, achei-a tão relutante e indigna de confiança no que me dizia quanto o foram, mais tarde, quaisquer de meus pacientes não sonambúlicos. Já me referi, no relato do caso dessa senhora, à resistência que ela opunha, mesmo durante o sonambulismo, a outras solicitações e sugestões minhas. Tornei-me inteiramente cético quanto ao valor da hipnose na facilitação dos tratamentos catárticos, visto ter vivenciado situações em que, durante o sonambulismo profundo, houve absoluta recalcitrância terapêutica, ao passo que em outros aspectos o paciente era perfeitamente obediente. Relatei casos, de modo resumido, em [1] e poderia acrescentar outros. Posso também admitir que essa experiência correspondeu bastante bem ao requisito em que insisto, no sentido de que deve haver uma relação quantitativa entre causa e efeito também no campo psíquico |assim como no físico|.
No que afirmei até agora, a idéia de resistência se impôs no primeiro plano. Demonstrei como, no curso de nosso trabalho terapêutico, fomos levados à visão de que a histeria se origina por meio do recalcamento de uma idéia incompatível, de uma motivação de defesa. Segundo esse ponto de vista, a idéia recalcada persistiria como um traço mnêmico fraco (de pouca intensidade), enquanto o afeto dela arrancado seria utilizado para uma inervação somática. (Em outras palavras, a excitação é “convertida”.) Ao que parece, portanto, é precisamente por meio de seu recalcamento que a idéia se transforma na causa de sintomas mórbidos – ou seja, torna-se patogênica. Pode-se dar a designação de “histeria de defesa” à histeria que exiba esse mecanismo psíquico.
Ora, tanto eu como Breuer temo-nos referido muitas vezes a duas outras espécies de histeria, para as quais introduzimos as expressões “histeria hipnóide” e “histeria de retenção”. Foi a histeria hipnóide a primeira de todas a entrar em nosso campo de estudo. Eu não poderia, de fato, encontrar melhor exemplo dessa histeria do que no primeiro caso de Breuer, que encabeça a exposição de nossos casos clínicos. Breuer propôs para esses casos de histeria hipnóide um mecanismo psíquico substancialmente diferente do de defesa por conversão. Segundo a visão de Breuer, o que acontece na histeria hipnóide é que uma idéia se torna patogênica por ter sido recebida durante um estado psíquico especial e permanecido desde o início fora do ego. Portanto, não foi necessária nenhuma força psíquica para mantê-la fora do ego, e nenhuma resistência precisa ser despertada quando a induzimos no ego com a ajuda da atividade mental durante o sonambulismo. E o caso de Anna O. de fato não mostra nenhum sinal de uma resistência dessa natureza.
Considero de tal importância essa distinção que, com base nela, alio-me de bom grado a essa hipótese da existência de uma histeria hipnóide. Estranhamente, em minha própria experiência, nunca deparei com uma histeria hipnóide autêntica. Todas as que aceitei para tratamento transformaram-se em histerias de defesa. A rigor, não é que eu jamais tenha tido de lidar com sintomas que comprovadamente emergiram durante estados dissociados de consciência, sendo obrigados, por esse motivo, a ficar excluídos do ego. Isso também aconteceu algumas vezes em meus casos, mas pude demonstrar, mais tarde, que o chamado estado hipnóide devia sua separação ao fato de nele haver entrado em vigor um grupo psíquico que antes fora dividido pela defesa. Em suma, é-me impossível reprimir a suspeita de que em algum ponto as raízes da histeria hipnóide e da histeria de defesa se reúnem, e que seu fator primário é a defesa. Mas nada posso dizer a esse respeito.
Meu julgamento é, no momento, igualmente incerto quanto à “histeria de retenção”, na qual se supõe que o trabalho terapêutico também se processe sem resistência. Tive um caso que encarei como uma típica histeria de retenção e exultei com a perspectiva de um êxito fácil e certo. Mas esse êxito não ocorreu, embora o trabalho fosse efetivamente fácil. Suspeito, portanto, embora mais uma vez com todas as ressalvas próprias da ignorância, de que também na base da histeria de retenção também haja um elemento de defesa que tenha forçado todo o processo na direção da histeria. É de se esperar que novas observações logo venham decidir se estou correndo o risco de incidir em parcialidade e erro ao favorecer assim a extensão do conceito de defesa para toda a histeria.
Tratei até agora das dificuldades e da técnica do método catártico e gostaria de acrescentar algumas indicações quanto à forma assumida pela análise quando essa técnica é adotada. Para mim, isto é um assunto altamente interessante, mas não posso esperar que desperte interesse semelhante em outros, que ainda não efetuaram uma análise dessa espécie. Estarei, é verdade, referindo-me mais uma vez à técnica, mas desta vez falarei das dificuldades inerentes pelas quais não podemos responsabilizar os pacientes e que, em parte, devem ser as mesmas tanto numa histeria hipnóide ou de retenção quanto nas histerias de defesa que tenho diante dos olhos como modelo. Abordo esta última parte de minha exposição na expectativa de que as características psíquicas a serem nela reveladas possam um dia adquirir certo valor como matéria-prima para a dinâmica da representação.
A primeira e mais poderosa impressão causada numa dessas análises é com certeza a de que o material psíquico patogênico aparentemente esquecido, que não se acha à disposição do ego e não desempenha nenhum papel na associação e na memória, não obstante está de algum modo à mão, e em ordem correta e adequada. Trata-se apenas de remover as resistências que barram o caminho para o material. Em outros sentidos esse material é conhecido, da mesma forma como somos capazes de conhecer qualquer coisa; as ligações corretas entre as representações separadas e entre elas e as não-patogênicas, que são lembradas com freqüência, existem, foram completadas em alguma época e estão armazenadas na memória. O material psíquico patogênico parece constituir o patrimônio de uma inteligência não necessariamente inferior à de um ego normal. A aparência de uma segunda personalidade é muitas vezes apresentada da maneira mais enganosa.
Se essa impressão é justificada, ou se, ao pensar nela, estamos atribuindo ao período da doença um arranjo do material psíquico que na verdade foi feito após a recuperação – essas são perguntas que eu preferiria não discutir ainda, e não nestas páginas. De qualquer modo, as observações feitas durante tais análises serão descritas de modo mais claro e convincente se as considerarmos a partir da posição que nos é possível assumir após a recuperação, com a finalidade de examinar o caso como um todo.
Em geral, de fato, a situação não é tão simples como a representamos nos casos específicos – por exemplo, quando existe apenas um sintoma surgido de um trauma principal. Não costumamos encontrar um sintoma histérico único, mas muitos deles, em parte independentes uns dos outros e em parte ligados. Não devemos esperar encontrar uma lembrança traumática única e uma idéia patogênica única como seu núcleo; devemos estar preparados para sucessões de traumas parciais e concatenações de cadeias patogênicas de idéias. A histeria traumática monossintomática é, por assim dizer, um organismo elementar, uma criatura unicelular, em comparação com a estrutura complexa de tais neuroses relativamente graves com que costumamos deparar.
O material psíquico nesses casos de histeria apresenta-se como uma estrutura em várias dimensões, estratificada de pelo menos três maneiras diferentes. (Espero logo poder justificar essa forma pictórica de expressão.) Para começar, há um núcleo que consiste em lembranças de eventos ou seqüências de idéias em que o fator traumático culminou, ou onde a idéia patogênica encontrou sua manifestação mais pura. Em torno desse núcleo encontramos o que é muitas vezes uma quantidade incrivelmente grande de outro material mnêmico que tem de ser elaborado na análise e que está, como dissemos, arranjado numa ordem tríplice.
Em primeiro lugar, há uma inconfundível ordem cronológica linear que vigora em cada tema isolado. Como exemplo disso, apenas citarei o arranjo do material na análise de Anna O. por Breuer. Tomemos o tema do ensurdecimento, do não ouvir. Este se diferenciou de acordo com sete conjuntos de determinantes, e em cada um desses sete tópicos foram coletadas em seqüência cronológica dez a mais de cem lembranças individuais (ver em [1]-[2]). Foi como se estivéssemos examinando um arquivo que fosse mantido em perfeita ordem. A análise de minha paciente Emmy von N. continha arquivos semelhantes de lembranças, embora não fossem enumerados e descritos de forma tão completa. Esses arquivos são um traço bastante geral de cada análise, e seu conteúdo sempre emerge numa ordem cronológica tão infalivelmente fidedigna quanto a sucessão dos dias da semana ou dos meses numa pessoa mentalmente normal. Eles dificultam o trabalho da análise pela peculiaridade de que, ao reproduzirem as lembranças, invertem a ordem em que estas se originaram. A experiência mais recente e mais nova do arquivo aparece em primeiro lugar, como uma capa externa, e por último vem a experiência com a qual a seqüência de fatos realmente começou.
Descrevi esses agrupamentos de lembranças semelhantes, em coleções dispostas em seqüências lineares (como um arquivo de documentos, um maço de papéis, etc.) como constituindo “temas”. Esses temas exibem um segundo tipo de arranjo. Cada um deles está – não sei expressá-lo de outra forma – concentricamente estratificado em torno do núcleo patogênico. Não é difícil dizer o que produz essa estratificação, qual a magnitude decrescente ou crescente que é a base desse arranjo. O conteúdo de cada camada caracteriza-se por um grau igual de resistência, e esse grau aumenta na proporção em que as camadas se acham mais perto do núcleo. Assim, há zonas dentro das quais existe um grau idêntico de modificação da consciência, e os diferentes temas estendem-se através dessas zonas. As camadas mais periféricas contêm as lembranças (ou arquivos), as quais, pertencendo a temas diferentes, são recordados com facilidade e sempre estiveram claramente conscientes. Quanto mais nos aprofundamos, mais difícil se torna o reconhecimento das lembranças emergentes, até que, perto do núcleo, esbarramos em lembranças que o paciente renega até mesmo ao reproduzi-las.
É essa peculiaridade da estratificação concêntrica do material psíquico patogênico que, como veremos, confere ao decorrer dessas análises seus traços característicos. É preciso mencionar ainda uma terceira espécie de arranjo – a mais importante, porém aquela sobre a qual é menos fácil fazer qualquer afirmação genérica. O que tenho em mente é um arranjo de acordo com o conteúdo do pensamento, a ligação feita por um fio lógico que chega até o núcleo e tende a seguir um caminho irregular e sinuoso, diferente emcada caso. Esse arranjo possui um caráter dinâmico, em contraste com o caráter morfológico das duas estratificações mencionadas acima. Enquanto estas seriam representadas num diagrama espacial por uma linha contínua, curva ou reta, o curso da cadeia lógica teria de ser indicado por uma linha interrompida, que passaria pelos caminhos mais indiretos, indo e vindo da superfície até as camadas mais profundas, e contudo, de modo geral, avançaria da periferia para o núcleo central, tocando em cada ponto de parada intermediário – uma linha semelhante à linha em ziguezague na solução de um problema do lance do cavalo, que atravessa os quadrados do diagrama no tabuleiro de xadrez.
Devo demorar-me um pouco mais neste último símile para enfatizar um ponto em que ele não faz justiça às características do objeto da comparação. A cadeia lógica corresponde não apenas a uma linha retorcida, em ziguezague, mas antes a um sistema de linhas em ramificação e, mais particulamente, a um sistema convergente. Ele contém pontos nodais em que dois ou mais fios se juntam e, a partir daí, continuam como um só; e em geral diversos fios que se estendem de forma independente, ou não, ligados em vários pontos por vias laterais, desembocam no núcleo. Em outras palavras, é notável a freqüência com que um sintoma é determinado de vários modos, é “sobredeterminado”.
Minha tentativa de demonstrar a organização do material psíquico patogênico ficará completa quando eu tiver introduzido mais uma complexidade. Pois é possível que haja mais de um único núcleo no material patogênico – quando, por exemplo, temos de analisar uma segunda irrupção da histeria que possui uma etiologia própria, mas, apesar disso, está ligada a uma primeira irrupção de histeria aguda superada anos antes. É fácil imaginar, quando é esse o caso, quantos acréscimos deve haver nas camadas e linhas de pensamento para estabelecer uma ligação entre os dois núcleos patogênicos.
Farei agora um ou dois comentários adicionais sobre o quadro da organização do material patogênico a que acabamos de chegar. Dissemos que esse material se comporta como um corpo estranho, e que também o tratamento atua como a remoção de um corpo estranho do tecido vivo. Estamos agora em condições de ver onde essa comparação fracassa. Um corpo estranho não entra em qualquer relação com as camadas de tecido que o circundam, embora as modifique e exija delas uma inflamação reativa. Nosso grupo psíquico patogênico, por outro lado, não admite ser radicalmente extirpado do ego. Suas camadas externas passam em todas as direções para partes do ego normal; e, na realidade, pertencem tanto a este quanto a organização patogênica. Na análise, a fronteira entre os dois é fixada de maneira puramente convencional, ora num ponto, ora em outro, sendo que em alguns lugares não pode em absoluto ser estabelecida. As camadas internas da organização patogênica são cada vez mais estranhas ao ego, porém mais uma vez sem que haja nenhuma fronteira visível em que se inicie o material patogênico. De fato, o organização patogênica não se comporta como um corpo estranho, porém muito mais como um infiltrado. Nesse símile, a resistência deve ser considerada como aquilo que se infiltra. E o tratamento também não consiste em extirpar algo – a psicoterapia até agora não é capaz de fazer isso – mas em fazer com que a resistência se dissolva e assim permitir que a circulação prossiga para uma região que até então esteve isolada.
(Estou usando aqui diversos símiles, dos quais todos apresentam apenas uma semelhança muito limitada com meu assunto e, além disso, são incompatíveis entre si. Estou ciente disso e não corro o perigo de superestimar seu valor. Mas meu propósito ao utilizá-los é lançar luz de diferentes direções sobre um tópico altamente complexo, que nunca foi representado até hoje. Arriscar-me-ei, portanto, nas páginas seguintes, a introduzir outros símiles da mesma maneira, embora saiba que isso não está livre de objeções.)
Se fosse possível, depois de um caso ter sido completamente elucidado, mostrar o material patogênico a outra pessoa naquilo que agora sabemos ser organização complexa e multidimensional de tal caso, com razão nos seria perguntado como foi que um camelo como esse passou pelo buraco da agulha. Pois há certa justificativa em falarmos num “desfiladeiro” da consciência. O termo ganha sentido e vida para um médico que conclua uma análise como essa. Apenas uma única lembrança de cada vez consegue entrar na consciência do ego. O paciente que esteja ocupado em elaborar tal lembrança nada vê daquilo que a está empurrando e se esquece do que já conseguiu entrar. Quando há dificuldades em dominar essa lembrança patogênica isolada – como, por exemplo, quando o paciente não relaxa sua resistência contra ela, quando tenha recalcá-la ou mutilá-la – então o desfiladeiro fica, por assim dizer, bloqueado. O trabalho fica paralisado, nada mais consegue aparecer, e a lembrança isolada que está no processo de atravessar permanece diante do paciente até que ele a tenha absorvido na amplitude de seu ego. Toda a massa especialmente ampliada de material psicogênico é assim impelida através de uma fenda estreita e chega à consciência, por assim dizer, retalhada em pedaços ou tiras. Cabe ao psicoterapeuta voltar a reunir estes últimos na organização que ele presuma ter existido. Qualquer um que sinta atração por novas analogias poderá pensar, a essa altura, num quebra-cabeças chinês.
Se tivermos que iniciar uma análise assim, em que tenhamos razões para esperar uma organização do material patogênico como essa, seremos ajudados pelo que nos ensinou a experiência, ou seja, que é inteiramente inútil tentar penetrar direto no núcleo da organização patogênica. Ainda que nós mesmos pudéssemos adivinhá-lo, o paciente não saberia o que fazer com a explicação a ele oferecida e não seria psicologicamente modificado por ela.
Não há nada a fazer senão manter-se, a princípio, na periferia da estrutura psíquica. Começamos por fazer com que o paciente nos diga aquilo que sabe e lembra, enquanto, ao mesmo tempo, já vamos direcionando sua atenção e superando suas resistências mais leves pelo uso da técnica da pressão. Sempre que tivermos aberto um novo caminho pressionando-lhe a testa, podemos esperar que ele avance mais um pouco sem nova resistência.
Depois de trabalharmos assim por algum tempo, em geral, o paciente começa a cooperar conosco. Muitas reminiscências passam então a lhe ocorrer sem que tenhamos de fazer-lhe perguntas ou fixar-lhe tarefas. O que fizemos foi abrir caminho para uma camada interna dentro da qual o paciente agora dispõe espontaneamente de um material ligado a um grau idêntico de resistência. O melhor é permitir-lhe, por algum tempo, reproduzir esse material sem ser influenciado. É verdade que ele próprio não está em condições de desvendar ligações importantes, mas se pode deixar que elucide o material que está dentro da mesma camada. As coisas que ele traz à tona dessa maneira parecem muitas vezes desconexas, mas fornecem um material que ganhará sentido quando mais tarde se descobrir uma ligação.
Nesse ponto, em geral temos de nos prevenir contra duas coisas. Se interferirmos com o paciente em sua reprodução das idéias que nele estão jorrando, poderemos “enterrar” coisas que depois terão de ser liberadas com grande dificuldade. Por outro lado, não devemos superestimar a “inteligência” inconsciente do paciente e deixar a cargo dela a direção de todo o trabalho. Se eu quisesse fornecer um quadro diagramático de nosso modo de operação, diria talvez que nós mesmos empreendemos a abertura das camadas internas, avançando radialmente, enquanto o paciente cuida da extensão periférica do trabalho.
Os progressos são conseguidos, como sabemos, pela superação da resistência, na forma já assinalada. Mas antes disso temos, em geral, outra tarefa a executar. Precisamos apoderar-nos de um pedaço do fio lógico, pois é apenas através de sua orientação que podemos ter esperança de penetrar no interior. Não podemos esperar que as comunicações livres feitas pelo paciente, o material proveniente das camadas mais superficiais, facilitem ao analista reconhecer em que pontos o caminho conduz às profundezas ou onde ele irá encontrar os pontos de partida das ligações de idéias que está procurando. Pelo contrário. É precisamente isso que é ocultado com cuidado; o relato feito pelo paciente soa como se fosse completo e auto-suficiente. De início, é como se estivéssemos diante de um muro que obstrui toda a perspectiva e nos impede de ter qualquer idéia de haver ou não algo atrás dele e, em caso afirmativo, o quê.
Mas se examinarmos com visão crítica o relato que o paciente nos fez sem muito esforço ou resistência, nele descobriremos infalivelmente lacunas e imperfeições. Em determinado ponto, a seqüência de idéias será visivelmente interrompida e remendada da melhor forma possível pelo paciente, com um recurso de linguagem ou uma explicação inadequada; noutro ponto depararemos com uma motivação que teria de ser descrita como débil numa pessoa normal. O paciente não reconhece essas deficiências quando sua atenção é chamada para elas. Mas o médico terá razão em procurar atrás dos pontos fracos uma abordagem para o material das camadas mais profundas e em esperar descobrir precisamente ali os fios de ligação que está buscando por meio da técnica da pressão. Por conseguinte, dizemos ao paciente: “Você está enganado; o que você está formulando não pode ter nada a ver com o assunto atual. Devemos esperar encontrar aí alguma outra coisa, e isso lhe ocorrerá sob a pressão de minha mão.”
Pois podemos fazer a um paciente histérico as mesmas exigências de ligação lógica e motivação suficiente na cadeia de idéias, mesmo que se estenda até o inconsciente, que faríamos a um individuo normal. Não está dentro das possibilidades de uma neurose relaxar essas relações. Se nos pacientes neuróticos, e particularmente nos histéricos, as cadeias de idéias produzem uma impressão diferente, se neles a relativa intensidade das diferentes idéias se afigura inexplicável apenas por determinantes psicológicos,já descobrimos a razão disso e podemos atribuí-la à existência de motivos inconscientes ocultos. Podemos assim suspeitar da presença de tais motivos secretos sempre que esse tipo de interrupção numa cadeia de idéias se torna evidente, ou quando a força atribuída pelo paciente a seus motivos vai muito além do normal.
Ao executarmos esse trabalho, é claro, devemos manter-nos isentos do preconceito teórico de estarmos lidando com os cérebros anormais de “dégénérés” e “déséquilibrés”, que estão livres, graças a um estigma, para lançar por terra as leis psicológicas comuns que regem a ligação das idéias, e nos quais uma única idéia fortuita pode tornar-se exageradamente intensa sem nenhum motivo, enquanto outra pode permanecer indestrutível sem nenhuma razão psicológica. A experiência demonstra que o contrário se aplica à histeria. Uma vez que descubramos os motivos ocultos, que muitas vezes permaneceram inconscientes, e os levemos em conta, nada de enigmático ou contrário às normas persiste nas ligações de pensamento histéricos, não mais do que nas normais.
Dessa forma, portanto, detectando lacunas na primeira descrição do paciente, lacunas muitas vezes encobertas por “falsas ligações” |ver mais adiante, ver em [1]-[2]|, apoderamo-nos de um pedaço do fio lógico na periferia e, a partir desse ponto, desobstruímos mais um caminho pela técnica da pressão.
Ao fazê-lo, é muito raro conseguirmos abrir caminho diretamente para o interior através de um único fio. Em geral, ele se rompe a meio caminho: a pressão falha e não produz nenhum resultado, ou então produz um resultado que não pode ser esclarecido ou levado adiante, apesar de todos os esforços. Logo aprendemos, quando isso acontece, a evitar os erros em que poderíamos incorrer. A expressão facial do paciente deverá determinar se chegamos mesmo ao fim, ou se se trata de uma situação que não exige nenhuma elucidação psíquica, ou se o que levou o trabalho a uma paralisação é uma resistência excessiva. Neste último caso, se não pudermos superar de imediato a resistência, poderemos presumir que seguimos o fio até uma camada que, por enquanto, ainda é impenetrável. Abandonamo-lo e tomamos outro fio, que talvez possamos seguir até a mesma distância. Quando tivermos atingido essa camada percorrendo todos os fios e tivermos descoberto os emaranhados em virtude dos quais os fios separados não puderam ser isoladamente seguidos até mais longe, poderemos pensar em atacar de novo a resistência diante de nós.
É fácil imaginar até que ponto um trabalho dessa natureza pode tornar-se complexo. Forçamos nossa entrada nas camadas internas, superando resistências todo o tempo; travamos conhecimento com os temas acumulados numa dessas camadas e com os fios que a atravessam, e experimentamos até que ponto podemos avançar com nossos meios atuais e os conhecimentos que adquirimos; obtemos informações preliminares sobre o conteúdo das camadas seguintes por meio da técnica da pressão; abandonamos fios e os retomamos;seguimo-los até os pontos nodais; constantemente voltamos atrás; e toda vez que perseguimos um acervo de lembranças, somos conduzidos a algum desvio que, não obstante, termina por confluir para o fio inicial. Por esse método, chegamos afinal a um ponto em que podemos parar de trabalhar em camadas e podemos penetrar, por uma trilha principal, diretamente no núcleo da organização patogênica. Com isso a luta está vencida, embora ainda não esteja terminada. Devemos retroceder e retomar outros fios e esgotar o material. Mas agora o paciente nos ajuda vigorosamente. A maior parte de sua resistência foi quebrada.
Nessas etapas finais do trabalho convém que possamos adivinhar o modo como as coisas se interligam e dizê-lo ao paciente antes que o desvendemos. Se tivermos adivinhado certo, o curso da análise será acelerado; mas até mesmo uma hipótese errada nos ajuda a prosseguir, compelindo o paciente a tomar partido e induzindo-o a negativas enérgicas que traem seu indubitável conhecimento.
Disso aprendemos com admiração que não estamos em condições de impor nada ao paciente sobre as coisas que ele aparentemente ignora, nem de influenciar os produtos da análise pela provocação de expectativas. Nem uma só vez consegui, ao prever algo, alterar ou falsificar a reprodução das lembranças ou a ligação dos acontecimentos, pois se o tivesse feito, isso inevitavelmente teria sido traído no final por alguma contradição no material. Quando algo mostrava ser tal como eu o previra, nunca se deixava de comprovar por um grande número de reminiscências indiscutíveis que eu não fizera nada além de adivinhar certo. Não precisamos ter medo, portanto, de dizer ao paciente qual pensamos que será sua próxima associação de idéias; isso não causará nenhum dano.
Outra observação, constantemente repetida, relaciona-se com as reproduções espontâneas do paciente. Pode-se afirmar que toda reminiscência isolada que emerge durante uma dessas análises tem importância. A rigor, a intromissão de imagens mnêmicas irrelevantes (que estejam associadas por acaso, de uma forma ou de outra, às imagens importantes) jamais ocorre. Uma exceção que não contradiz essa regra pode ser postulada quanto às lembranças que, apesar de destituídas de importância em si mesmas, são indispensáveis como pontes, no sentido de que a associação entre duas lembranças importantes só pode ser feita através delas.
O prazo durante o qual uma lembrança permanece no estreito desfiladeiro diante da consciência do paciente está, como já foi explicado | ver em [1]|, em proporção direta com sua importância. Uma imagem que se recusa a desaparecer é uma imagem que ainda exige consideração, um pensamento que não pode ser afastado é um pensamento que precisa ser mais explorado. Além disso, uma lembrança nunca retorna uma segunda vez depois de ter sido trabalhada; a imagem que foi “eliminada pela fala” não volta a ser vista. Quando, não obstante, isso de fato acontece, podemos presumir com segurança que, na segunda vez, a imagem será acompanhada de um novo grupo de pensamentos, ou a idéia terá novas implicações. Em outras palavras, estes não foram trabalhados por completo. Além disso, é freqüente uma imagem ou um pensamento reaparecerem com diferentes graus de intensidade, primeiro como um indício e depois com total clareza. Isso, entretanto, não contradiz o que acabo de afirmar.
Entre as tarefas apresentadas pela análise encontra-se a de eliminar os sintomas passíveis de aumentar de intensidade ou retornar: dores, sintomas (como vômitos) causados por estímulos, sensações ou contraturas. Enquanto trabalhamos num desses sintomas defrontamo-nos com o fenômeno interessante e não indesejável da “participação na conversa”. O sintoma problemático reaparece, ou aparece com maior intensidade, tão logo alcançamos a região da organização patogênica que contém a etiologia do sintoma, e daí por diante ele acompanha o trabalho com oscilações características, que são instrutivas para o médico. A intensidade do sintoma (tomemos como exemplo o desejo de vomitar) aumenta quanto mais profundamente penetramos numa das lembranças patogênicas pertinentes; atinge seu clímax pouco antes de o paciente enunciar essa lembrança; e, depois que ele termina de fazê-lo, diminui de súbito ou até desaparece por completo durante algum tempo. Quando, graças à resistência, o paciente demora muito tempo para dizer algo, a tensão da sensação – do desejo de vomitar – torna-se insuportável e, se não conseguirmos forçá-lo a falar, ele começará mesmo a vomitar. Assim obtemos uma impressão plástica do fato de que o “vomitar” toma o lugar de um ato psíquico (nesse exemplo, o ato de proferir), exatamente como sustenta a teoria conversiva da histeria.
Essa oscilação de intensidade do sintoma histérico é repetida toda vez que nos aproximamos de uma nova lembrança que é patogênica em relação a ele. O sintoma, poderíamos dizer, está nos planos o tempo todo. Quando somos obrigados a abandonar temporariamente o fio a que está ligado, também esse sintoma recua para a obscuridade, para tornar a emergir num período posterior da análise. Isso continua até que a elaboração do material patogênico tenha eliminado o sintoma de uma vez por todas.
Em tudo isso, a rigor, o sintoma histérico de modo algum se comporta de modo diferente da imagem mnêmica ou da idéia reproduzida que invocamos sob a pressão da mão. Em ambos os casos encontramos a mesma recorrência obsessivamente pertinaz na lembrança do paciente, que tem de ser eliminada. A diferença está apenas no surgimento aparentemente espontâneo dos sintomas histéricos, ao passo que, como nos recordamos muito bem, nós mesmos provocamos as cenas e idéias. De fato, contudo, há uma seqüência ininterrupta que se estende desde os resíduos mnêmicos não modificados das experiências e atos de pensamento afetivos até os sintomas histéricos, que são símbolos mnêmicos dessas experiências e pensamentos.
O fenômeno dos sintomas histéricos que participam da conversa durante a análise envolve um inconveniente de ordem prática, com o qual devemos poder reconciliar o paciente. É inteiramente impossível efetuar a análise de um sintoma de uma só vez, ou distribuir os intervalos de nosso trabalho de modo a se ajustarem com precisão às pausas no processo de lidar com o sintoma. Ao contrário, algumas interrupções que são prescritas de forma imperativa por circunstâncias incidentais no tratamento, tais como o adiantado da hora, muitas vezes ocorrem nos pontos mais inconvenientes, exatamente quando nos podemos estar aproximando de uma decisão ou quando surge um novo tópico. Qualquer leitor de jornal tem a mesma desvantagem ao ler o capítulo diário de sua história seriada, quando, logo após a fala decisiva da heroína, ou depois de o tiro haver ecoado, ele se defronta com as palavras: “Continua no próximo número.” Em nosso próprio caso, o tópico que foi levantado, mas não abordado, o sintoma que temporariamente se intensificou e ainda não foi explicado, persiste na mente do paciente e talvez possa perturbá-lo mais do que fazia até então. Ele terá apenas que lidar com isso da melhor forma possível, pois não existe outra maneira de organizar as coisas. Há pacientes que, no curso de uma análise, simplesmente não conseguem livrar-se de um tópico que tenha sido levantado e ficam obcecados por ele no intervalo entre duas sessões; visto que, por si mesmos, não podem tomar nenhuma providência no sentido de se livrarem dele, sofrem mais, a princípio, do que antes do tratamento. Mas mesmo tais pacientes acabam aprendendo a esperar pelo médico e a deslocar todo o interesse que sentem por se livrarem do material patogênico para os horários das sessões, após as quais começam a se sentir mais livres nos intervalos.
O estado geral dos pacientes durante essas análises também merece atenção. Por algum tempo ele não é influenciado pelo tratamento e continua a ser uma expressão dos fatores que atuavam antes. Mas depois surge um momento em que o tratamento se apodera do paciente, capta seu interesse. Daí por diante, seu estado geral se torna cada vez mais dependente do desenvolvimento do trabalho. Sempre que uma coisa nova é elucidada ou se atinge um estágio importante do processo da análise, também o paciente se sente aliviado e desfruta de um antegozo, por assim dizer, da sua libertação iminente. Todas as vezes que o trabalho se paralisa e há uma ameaça de confusão, aumenta o fardo psíquico que oprime o paciente, e seu sentimento de infelicidade e sua incapacidade para o trabalho se tornam mais intensos. Mas nenhuma dessas coisas dura mais do que um curto período, pois a análise continua, sem se vangloriar pelo fato de num dado momento o paciente sentir-se bem, e prosseguindo independentemente dos períodos de tristeza do paciente. Ficamos satisfeitos, em geral, quando substituímos as oscilações espontâneas de seu estado por oscilações que nós mesmos provocamos e que compreendemos, da mesma forma que ficamos satisfeitos ao ver a sucessão espontânea dos sintomas substituída por uma ordem do dia que corresponde ao estado da análise.
De início, o trabalho torna-se mais obscuro e difícil, em geral, quanto mais profundamente penetramos na estrutura psíquica estratificada que descrevi atrás. Porém, uma vez que tenhamos, pelo trabalho, chegado até o núcleo, a luz aparece, e não precisamos temer que o estado geral do paciente fique sujeito a nenhum período grave de depressão. Entretanto, a recompensa de nossos esforços – a cessação dos sintomas – só pode ser esperada depois de termos efetuado a análise completa de cada sintoma individual; e a rigor, já que os sintomas individuais são interligados em numerosos pontos nodais, nem sequer devemos ser estimulados durante o trabalho pelos êxitos parciais. Graças às abundantes ligações causais, toda representação patogênica que ainda não tenha sido eliminada atua como uma motivação para a totalidade dos produtos da neurose, e é apenas com a última palavra da análise que todo o quadro clínico desaparece, tal como ocorre com as lembranças reproduzidas de forma individual.
Quando uma lembrança patogênica ou uma ligação patogênica antes retirada da consciência do ego é revelada pelo trabalho da análise e introduzida no ego, verificamos que a personalidade psíquica assim enriquecida tem várias maneiras de expressar-se quanto ao que adquiriu. É particularmente freqüente, depois de havermos imposto com esforço algum conhecimento ao paciente, ouvi-lo declarar: “Eu sempre soube disso, poderia ter-lhe dito antes.” Os que são dotados de certo grau de discernimento reconhecem, mais tarde, que essa é uma forma de enganarem a si mesmos e se culpam por serem ingratos. Afora isso, a atitude adotada pelo ego quanto a sua nova aquisição costuma depender da camada de análise da qual se origina essa aquisição. As coisas que pertencem às camadas externas são reconhecidas sem dificuldades; haviam, de fato, permanecido sempre em poder do ego, e a única novidade para o ego é a ligação delas com as camadas mais profundas do material patológico. As coisas que são trazidas à luz dessas camadas mais profundas também são reconhecidas e admitidas, porém muitas vezes só depois de consideráveis hesitações e dúvidas. As imagens mnêmicas visuais são, naturalmente, mais difíceis de ser renegadas do que os traços mnêmicos de simples cadeias de pensamentos. Não é raro o paciente começar por dizer: “É possível que eu tenha pensado nisso, mas não consigo me lembrar.” E não é senão depois de ter-se familiarizado com a hipótese há algum tempo que ele vem a reconhecê-la também; ele se recorda – e confirma também esse fato por vínculos secundários – de que realmente, certa vez, a idéia lhe ocorreu. Durante a análise, porém, adoto como norma reservar minha avaliação da reminiscência que surge independente do reconhecimento da mesma pelo paciente. Jamais me cansei de repetir que somos forçados a aceitar tudo o que nossa técnica traz à luz. Se houver algo nela que não seja autêntico ou correto, mas tarde o contexto nos dirá para rejeitá-lo. Mas, posso dizer de passagem que raramente tive ocasião de renegar, mais tarde, uma reminiscência aceita de modo provisório. Tudo o que emergiu, a despeito da mais enganosa aparência de ser contradição gritante, acabou por revelar-se correto.
As representações que se originam das camadas mais profundas e que formam o núcleo da organização patogênica são também aquelas que são reconhecidas com extrema dificuldade como lembranças pelo paciente. Mesmo quando tudo termina e os pacientes são dominados pela força da lógica e convencidos pelo efeito terapêutico que acompanha o surgimento precisamente dessas representações – quando, digo eu, os próprios pacientes aceitam o fato de terem pensado isso ou aquilo, muitas vezes acrescentam: “Mas eu não consigo me lembrar de ter pensado isso.” É fácil chegar a um acordo com eles dizendo-lhes que os pensamentos estavam inconscientes. Mas como enquadrar esse estado de coisas em nossas próprias concepções psicológicas? Devemos desprezar essa negação de reconhecimento por parte dos pacientes, quando, agora que o trabalho terminou, não existe mais nenhum motivo para que eles ajam dessa forma? Ou devemos supor que estamos de fato lidando com pensamentos que nunca ocorreram, que meramente tiveram uma possibilidade de existir, de modo que o tratamento consistiria na realização de um ato psíquico que não se verificou na época? É claro que é impossível dizer qualquer coisa a esse respeito – isto é, sobre o estado em que se encontrava o material patogênico antes da análise – até que tenhamos chegado a uma elucidação completa de nossas concepções psicológicas básicas, em especial quanto à natureza da consciência. Resta, penso eu, como elemento digno de séria consideração, o fato de que em nossas análises podemos seguir uma cadeia de pensamentos desde o consciente até o inconsciente (isto é, até algo que de modo algum é reconhecido como uma lembrança), de que podemos mais uma vez acompanhá-la por certa distância através da consciência, e de que podemos vê-la terminar de novo no inconsciente, sem que essa alternância de “revelação psíquica” cause qualquer modificação na própria cadeia de pensamentos, em sua coerência lógica e na interligação entre suas várias partes. Uma vez que essa cadeia de pensamentos se colocasse diante de mim como um todo, eu não seria capaz de adivinhar qual de suas partes seria reconhecida pelo paciente como lembrança e qual não o seria. Vejo apenas, por assim dizer, os cumes da cadeia de pensamentos mergulhando no inconsciente – o inverso do que foi afirmado quanto a nossos processos psíquicos normais.
Por fim, tenho de examinar mais outro tópico, que desempenha um papel indesejavelmente grande na condução de análises catárticas como essas. Já admiti | ver em [1]| a possibilidade de a técnica de pressão falhar, de não suscitar nenhuma reminiscência, apesar de toda a garantia e insistência. Quando isso acontece, disse eu, há duas possibilidades: ou, no ponto que estamos investigando, não há mesmo nada mais a ser encontrado – e isso é algo que podemos reconhecer pela completa serenidade da expressão facial do paciente -, ou esbarramos numa resistência que só poderá ser superada mais tarde, estamos diante de uma nova camada em que ainda não podemos penetrar – e isso, mais uma vez, é algo que podemos inferir da expressão facial do paciente, que se acha tensa e dá mostras de esforço mental | ver em [1]|. Mas existe ainda uma terceira possibilidade que da mesma forma testemunha a presença de obstáculo, porém um obstáculo externo, e não inerente ao material. Isso acontece quando a relação entre o paciente e o médico é perturbada e constitui o pior obstáculo com que podemos deparar. No entanto, podemos esperar encontrá-lo em qualquer análise relativamente séria.
Já indiquei | ver em [1]-[2]| o importante papel desempenhado pela figurado médico na criação de motivos para derrotar a força psíquica da resistência. Não são poucos os casos, especialmente com as mulheres e quando se trata de elucidar cadeias de pensamento eróticas, em que a cooperação do paciente se torna um sacrifício pessoal, que deve ser compensado por algum substituto do amor. O empenho do médico e sua cordialidade têm que bastar na condição desse substituto. Ora, quando essa relação entre a paciente e o médico é perturbada, a cooperação da primeira também falha; quando o médico tenta investigar a representação patogênica seguinte, o paciente é retido pela interposição da consciência das queixas que nele se acumulam contra o médico. Em minha experiência, esse obstáculo surge em três casos principais.
(1) Quando há uma desavença pessoal – quando, por exemplo, a paciente acha que foi negligenciada, muito pouco apreciada ou insultada, ou quando ouve comentários desfavoráveis sobre o médico ou sobre o método de tratamento. Esse é o caso menos grave. O obstáculo pode ser superado com facilidade por meio da discussão e da explicação, muito embora a sensibilidade e a desconfiança dos pacientes histéricos possam às vezes atingir dimensões surpreendentes.
(2) Quando a paciente é tomada pelo pavor de ficar por demais acostumada com o médico em termos pessoais, de perder sua independência em relação a ele, e até, quem sabe, de tornar-se sexualmente dependente dele. Esse é um caso mais importante, pois seus determinantes são menos individuais. A causa desse obstáculo reside na especial solicitude que é inerente ao tratamento. A paciente tem então um novo motivo para a resistência, que se manifesta não só em relação a alguma reminiscência específica, mas a qualquer tentativa de tratamento. É muito comum a paciente se queixar de dor de cabeça ao iniciarmos a técnica da pressão, pois em geral seu novo motivo para a resistência permanece inconsciente, expressando-se por meio de um novo sintoma histérico. A dor de cabeça indica que ela não gosta de se deixar influenciar.
(3) Quando a paciente se assusta ao verificar que está transferindo para a figura do médico as representações aflitivas que emergem do conteúdo da análise. Essa é uma ocorrência freqüente e, a rigor, usual em algumas análises. A transferência para o médico se dá por meio de uma falsa ligação. Preciso fornecer um exemplo disso. Numa de minhas pacientes, a origem de um sintoma histérico específico estava num desejo, que ela tivera muitos anos antes e relegara de imediato ao inconsciente, de que o homem com quem conversava na ocasião ousasse tomar a iniciativa de lhe dar um beijo. Numa ocasião, ao fim de uma sessão, surgiu nela um desejo semelhante a meu respeito. Ela ficou horrorizada com isso, passou uma noite insone e, na sessão seguinte, embora não se recusasse a ser tratada, ficou inteiramente inutilizada para o trabalho. Depois de eu haver descoberto e removido o obstáculo, o trabalho prosseguiu e, vejam só!, o desejo que tanto havia assustado a paciente surgiu como sua próxima lembrança patogênica, aquela que era exigida pelo contexto lógico imediato. O que aconteceu, portanto, foi isto: o conteúdo do desejo apareceu, antes de mais nada, na consciência da paciente, sem nenhuma lembrança das circunstâncias contingentes que o teriam atribuído a uma época passada. O desejo assim presente foi então, graças à compulsão a associar que era dominante na consciência da paciente, ligado a minha pessoa, na qual a paciente estava legitimamente interessada; e como resultado dessa mésalliance – que descrevo como uma “falsa ligação” – provocou-se o mesmo afeto que forçara a paciente, muito tempo antes, a repudiar esse desejo proibido. Desde que descobri isso, tenho podido, todas as vezes que sou pessoalmente envolvido de modo semelhante, presumir que uma transferência e uma falsa ligação tornaram a ocorrer. Curiosamente, a paciente volta a ser enganada todas as vezes que isso se repete.
É impossível concluir qualquer análise a menos que saibamos como enfrentar a resistência que surge por essas três maneiras. Mas podemos encontrar um meio de fazê-lo se resolvermos que esse novo sintoma, produzido com base no modelo antigo, deve ser tratado da mesma forma que os sintomas antigos. Nossa primeira tarefa é tornar o “obstáculo” consciente para o paciente. Numa de minhas pacientes, por exemplo, de repente a técnica da pressão falhou. Eu tinha razões para supor que havia uma representação inconsciente do tipo antes mencionado no item (2), e tentei primeiro lidar com essa representação pegando a paciente de surpresa. Disse-lhe que deveria ter surgido algum obstáculo à continuação do tratamento, mas que a técnica da pressão tinha pelo menos o poder de mostrar-lhe qual era esse obstáculo; pressionei sua cabeça e ela disse, admirada: “Estou vendo o senhor sentado aqui na cadeira, mas isso é absurdo. Que pode significar?” Pude então dar-lhe os esclarecimentos. Numa outra paciente, o “obstáculo” costumava não aparecer diretamente como resultado de minha pressão, mas eu sempre conseguia descobri-lo levando a paciente de volta ao momento em que ele se havia originado. A técnica da pressão jamais deixou de nos trazer de volta esse momento. Quando o obstáculo era descoberto e demonstrado, a primeira dificuldade era removida do caminho. Mas persistia outra maior, que estava em induzir a paciente a produzir informações que dissessem respeito a relações aparentemente pessoais e onde a terceira pessoa coincidisse com a figura do médico.
A princípio, fiquei muito aborrecido com esse aumento de meu trabalho psicológico, até que percebi que o processo inteiro obedecia a uma lei; e então notei também que esse tipo de transferência não trazia nenhum aumento significativo para o que eu tinha de fazer. Para a paciente, o trabalho continuava a ser o mesmo: ela precisava superar o afeto aflitivo despertado por ter sido capaz de alimentar aquele desejo sequer por um momento; e parecia não fazer nenhuma diferença para o êxito do tratamento que ela fizesse desse repúdio psíquico o tema de seu trabalho no contexto histórico, ou na recente situação relacionada comigo. Aos poucos, também os pacientes aprenderam a compreender que nessas transferências para a figura do médico tratava-se de uma compulsão e de uma ilusão que se dissipavam com a conclusão da análise. Creio, porém, que se lhes tivesse deixado de esclarecer a natureza do “obstáculo”, eu simplesmente lhes teria dado um novo sintoma histérico – embora, é verdade, mais brando – em troca de outro que fora espontaneamente gerado.
Já forneci indicações suficientes, penso eu, da maneira pela qual essas análises foram efetuadas e das observações que fiz no decorrer das mesmas. O que disse talvez faça com que algumas coisas pareçam mais complicadas do que são. Muitos problemas se solucionam quando nos descobrimos empenhados nesse trabalho. Não enumerei as dificuldades do trabalho para criar a impressão de que, em vista das exigências que a análise catártica impõe tanto ao médico como ao paciente, só vale a pena empreendê-la em casos extremamente raros. Permito que minhas atividades médicas sejam regidas pela suposição contrária, embora eu não possa, é verdade, formular as indicações mais definidas para a aplicação do método terapêutico descrito nestas páginas sem entrar num exame do ponto mais importante e abrangente do tratamento das neuroses em geral. Em minha própria mente, tenho muitas vezes comparado a psicoterapia catártica com a intervenção cirúrgica. Tenho descrito meus tratamentos como operações psicoterapêuticas e tenho exposto sua analogia com a abertura de uma cavidade cheia de pus, a raspagem de um região cariada, etc. Uma analogia como essa justifica-se menos pela remoção do que é patológico do que pela criação de condições que tenham maior probabilidade de conduzir o avanço do processo no sentido de recuperação.
Quando prometo a meus pacientes ajuda ou melhora por meio de um tratamento catártico, muitas vezes me defronto com a seguinte objeção: “Ora, o senhor mesmo me diz que minha doença provavelmente está relacionada com as circunstâncias e os acontecimentos de minha vida. O senhor, de qualquer maneira, não pode alterá-los. Como se propõe ajudar-me, então?” E tem-me sido possível dar esta resposta: “Sem dúvida o destino acharia mais fácil do que eu aliviá-lo de sua doença. Mas você poderá convencer-se de que haverá muito a ganhar se conseguirmos transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum. Com uma vida mental restituída à saúde, você estará mais bem armado contra essa infelicidade.”

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