Vol. II – (1) NOTA DO EDITOR INGLÊS (James Strachey)
(a) EDIÇÕES ALEMÃES:
1893 Neurol. Centralbl., 12 (1), 4-10 (Seções I-II), e 12 (2), 43-7 (Seções III-V). (1º e 15 de janeiro.)
1893 Wien. med. Blätter, 16 (3), 33-5 (Seções I-II), e 16 (4), 49-51 (Seções III-V). (19 e 26 de janeiro.)
1895, etc. Em Studien über Hysterie. (Ver adiante.)
1906 S.K.S.N., I, 14-29. (1911, 2ª ed.; 1920, 3ª ed.; 1922, 4ª ed.)
(b) TRADUÇÕES INGLESAS:
“The Psychic Mechanism of Hysterical Phenomena
(Preliminary Communication)”
1909 S.P.H., 1-13. (Trad. A. A. Brill.) (1912, 2ª. ed., 1920, 3ª ed.)
1936 Em Studies in Hysteria. (Ver adiante.)
“On the Psychical Mechanism of Hysterical Phenomena”
1924 C.P., 1, 24-41. (Trad. J. Rickman.)
(B) STUDIEN ÜBER HYSTERIE
(a) EDIÇÕES ALEMÃS:
1895 Leipzig e Viena: Deuticke. Págs. v + 269.
1909 2ª ed. Mesmos editores. (Sem modificações, mas com novo prefácio.) Págs. vii + 269.
1916 3ª ed. Mesmos editores. (Sem modificações.) Págs. vii + 269
1922 4ª ed. Mesmos editores. (Sem modificações.) Págs. vii + 269.
1925 G.S., 1, 3-238. (Com omissão das contribuições de Breuer; com notas de rodapé adicionais de Freud.)
1952 G.W., 1, 77-312. (Reimpressão de 1925.)
(b) TRADUÇÕES INGLESAS:
Studies in Hysteria
1909 S.P.H., 1-120. (1912, 2ª ed.; 1920, 3ª ed.; 1922, 4ª ed.) (Trad. A. A. Brill.) (Somente em parte: com omissão dos casos clínicos da Srta. Anna O., Sra. Emmy von N. e Katharina, bem como do capítulo teórico de Breuer.)
1936 New York: Nervous and Mental Disease Publishing. Co. (Monograph Series nº 61.) Págs. ix + 241. (Trad. A. A. Brill.)
(Completo, salvo quanto à omissão das notas de rodapé adicionais de Freud, de 1925.)
A tradução inglesa, inteiramente nova e completa, de James e Alix Strachey, inclui as contribuições de Breuer, mas quanto ao resto baseia-se na edição alemã de 1925, contendo as notas de rodapé adicionais de Freud. A omissão das contribuições de Breuer das duas coletâneas alemãs (G.S. e G.W.) acarretou algumas modificações necessárias e notas de rodapé adicionais, onde Freud tinha feito referência, na edição original, às partes omitidas. Nessas edições completas, também a numeração dos casos clínicos foi alterada, em vista da ausência do caso clínico de Anna O. Todas essas alterações foram abandonadas na presente tradução. – Os extratos da “Comunicação Preliminar” e do volume principal tinham sido incluídos por Freud em sua primeira coletânea de extratos de seus próprios trabalhos (1897b, nºs XXIV e XXXI).
(1)
ALGUMAS NOTAS HISTÓRICAS SOBRE OS ESTUDOS
Conhecemos a história da redação deste livro com algum detalhe.
O tratamento da Srta. Anna O. por Breuer, no qual se baseou toda a obra, ocorreu entre 1880 e 1882. Naquela ocasião, Josef Breuer (1842-1925) já gozava de alta reputação em Viena, tanto como médico com grande clínica, como por realizações científicas, enquanto Sigmund Freud (1856-1939) apenas acabara de formar-se em medicina. Os dois, contudo, já eram amigos há vários anos. O tratamento terminou no início de junho de 1882, e em novembro Breuer relatou a notável história a Freud, que (embora, naquela época, tivesse seus principais interesses concentrados na anatomia do sistema nervoso) ficou muito impressionado com ela. Tanto assim que quando, cerca de três anos depois, estava estudando em Paris sob a orientação de Charcot, deu-lhe conhecimento do caso. “Mas o grande homem não mostrou nenhum interesse por meu primeiro esboço do assunto, de modo que jamais voltei ao tema e deixei que saísse de minha mente.” (Um Estudo Autobiográfico – 1925d, Capítulo II.)
Os estudos de Freud sob a orientação de Charcot tinham-se concentrado, em grande parte, na histeria, e quando Freud voltou a Viena em 1886 e ali se fixou para estabelecer uma clínica de doenças nervosas, a histeria forneceu uma grande proporção de sua clientela. De início, ele se baseou nos métodos de tratamento então correntemente recomendados, como a hidroterapia, a eletroterapia, massagens e a cura pelo repouso, de Weir Mitchell. Mas quando esses métodos se revelaram insatisfatórios, seus pensamentos se voltaram para outra área. “Nessas últimas semanas”, escreve ele a seu amigo Fliess em 28 de dezembro de 1887, “atirei-me à hipnose e logrei toda espécie de sucessos pequeninos, mas dignos de nota” (Freud, 1950a, Carta 2). E nos deu uma descrição pormenorizada de um desses tratamentos bem-sucedidos (1892-3b). Mas o caso de Anna O. ainda estava em sua mente, e “desde o início”, conta-nos ele (1925d), “vali-me da hipnose de outra maneira, independentemente da sugestão hipnótica”. Essa “outra maneira” foi o método catártico, que constitui o tema do presente volume.
O caso da Sra. Emmy von N. foi o primeiro, como sabemos por Freud (ver em. [1] e [2]), que ele tratou pelo método catártico. Numa nota de rodapé acrescentada ao livro em 1925, ele explica melhor essa observação e diz que esse foi o primeiro caso em que utilizou esse método “extensivamente” (ver em [1]); e é verdade que, nessa fase inicial, ele vinha constantemente empregando a hipnose na forma convencional – para dar sugestões terapêuticas diretas. Mais ou menos na mesma época, de fato, seu interesse pela sugestão hipnótica era acentuado o bastante para levá-lo a traduzir um dos livros de Bernheim em 1888 e outro em 1892, bem como a fazer uma visita de algumas semanas às clínicas de Liébeault e Bernheim em Nancy, no verão de 1889. A intensidade com que ele estava utilizando a sugestão terapêutica no caso da Sra. Emmy é indicada de maneira bem nítida no seu relato cotidiano das duas ou três primeiras semanas do tratamento, reproduzido por ele a partir das “anotações que fiz todas as noites” (ver em [1]). Não podemos, infelizmente, ter certeza de quando ele iniciou esse caso (ver Apêndice A, em [1]); foi em maio de 1888 ou 1889 – isto é, cerca de quatro ou cerca de dezesseis meses depois de ele haver pela primeira vez “adotado a hipnotismo”. O tratamento terminou um ano depois, no verão de 1889 ou 1890. Numa ou noutra alternativa, há um considerável hiato antes da data do caso clínico seguinte (em ordem cronológica, embora não em ordem de apresentação). Esse foi o caso da Srta. Elisabeth von R., que teve início no outono de 1892 (ver em. [1]) e que Freud descreve como sua “primeira análise integral de uma histeria” ( ver em [1]). Foi logo seguido pelo de Miss Lucy R., que começou no fim do mesmo ano (ver em [1]). Não se atribui nenhuma data ao caso restante, o de Katharina (ver.em [1]). Mas, no intervalo entre 1889 e 1892, Freud por certo teve experiência com outros casos. Em particular, houve o da Srta. Cäcilie M., a quem ele “veio a conhecer de forma muito mais completa do que qualquer das outras pacientes mencionadas nestes estudos” (ver em [1]), mas cujo caso não pôde ser descrito em detalhes em virtude de “considerações pessoais”. Contudo, ela é freqüentemente mencionada por Freud, bem como por Breuer, no decorrer do volume, e sabemos (ver em [1]) por Freud que “foi o estudo desse caso notável, feito em conjunto com Breuer, que levou diretamente à publicação de nossa ‘Comunicação Preliminar’”. [1]
O rascunho daquele memorável artigo (que compõe a primeira seção do presente volume) se iniciara em junho de 1892. Uma carta a Fliess, de 28 de junho (Freud, 1950a, Carta 9), anuncia que “Breuer concordou em que a teoria da ab-reação e os outros resultados sobre a histeria a que chegamos em conjunto também sejam apresentados conjuntamente numa publicação pormenorizada”. “Uma parte dela”, prossegue, “que, a princípio, eu queria escrever sozinho, está concluída”. Evidentemente, a essa parte “concluída” do artigo faz nova referência numa carta a Breuer escrita no dia seguinte, 29 de junho de 1892 (Freud, 1941a): “A inocente satisfação que senti quando lhe entreguei aquelas poucas páginas minhas deu margem a (…) inquietação.” Essa carta prossegue fornecendo um resumo muito condensado do conteúdo proposto do artigo. A seguir, temos uma nota de rodapé acrescentada por Freud a sua tradução de um volume das Leçons du Mardi, de Charcot (Freud, 1892-94, 107), que apresenta, em três curtos parágrafos, um resumo da tese da “Comunicação Preliminar” e se refere a ele como estando “começado”. Além disso, dois rascunhos bem mais elaborados chegaram até nós. O primeiro (Freud, 1940d) deles (escrito com a caligrafia de Freud, embora se afirme ter sido escrito em conjunto com Breuer) está datado de “Final de novembro de 1892”. Versa sobre ataques histéricos e a maior parte de seu conteúdo foi incluída, embora com palavras diferentes, na Seção IV da “Comunicação Preliminar” (ver em [1]). Entretanto, um importante parágrafo relacionado com o “princípio da constância” foi inexplicavelmente omitido, e nesse volume o tema é tratado apenas por Breuer, na parte final da obra (ver em [1] e [2].). Por fim, há um memorando (Freud, 1941b) com o título “III”, que não tem data. Examina os “estados hipnóides” e a dissociação histérica, estando estreitamente relacionado com a Seção III do artigo publicado (ver em [1]).
Em 18 de dezembro de 1892, Freud escreveu a Fliess (1950a, Carta11): “Apraz-me poder dizer-lhe que nossa teoria sobre a histeria (reminiscência, ab-reação, etc.) vai aparecer no Neurologisches Centralblatt no dia 1º de janeiro de 1893, sob a forma de uma comunicação preliminar pormenorizada. Custou-me longa batalha com meu colaborador.” O artigo, datado de “dezembro de 1892”, foi na realidade publicado em dois números do periódico: as duas primeiras seções em 1º de janeiro, e as três restantes em 15 de janeiro. O Neurologisches Centralblatt (que saía quinzenalmente) era publicado em Berlim; e a “Comunicação Preliminar” foi quase imediatamente reimpressa na íntegra em Viena, nas Wiener medizinische Blätter (em 19 e 26 de janeiro). Em 11 de janeiro, quando apenas metade do artigo fora publicada, Freud pronunciou uma conferência sobre o tema no Wiener medizinischer Club. A transcrição taquigráfica completa da conferência, “revista pelo conferencista”, apareceu no Wiener medizinische Presse em 22 e 29 de janeiro (34, 122-6 e 165-7). A conferência (Freud, 1893h) abrangia aproximadamente o mesmo tema que o artigo, mas tratava o material de forma bem diferente e de maneira muito menos formal.
A publicação do artigo parece ter surtido pouco efeito visível em Viena ou na Alemanha. Na França, por outro lado, como relata Freud a Fliess numa carta de 10 de julho de 1893 (1950a, Carta 13), o trabalho foi favoravelmente notado por Janet, cuja resistência às idéias de Freud só surgiria mais tarde. Janet incluiu uma nota longa e altamente elogiosa sobre a “Comunicação Preliminar” num artigo sobre “Algumas Definições Recentes da Histeria”, publicado nos Archives de Neurologie em junho e julho de 1893. Utilizou esse artigo como capítulo final de seu livro L’État Mental des Hystériques, publicado em 1894. Mais inesperado, talvez, é o fato de que em abril de 1893 – apenas três meses após a publicação da “Comunicação Preliminar” – um relato razoavelmente completo da mesma foi apresentado por F. W. H. Myers numa reunião geral da Society for Psychical Research, em Londres, tendo sido impresso em sua Ata (Proceedings) no mês de junho seguinte. A “Comunicação Preliminar” também foi totalmente resumida e examinada por Michell Clarke em Brain (1894, 125). A reação mais surpreendente e inexplicável, porém, foi a publicação, em fevereiro e março de 1893, de uma tradução completa da “Comunicação Preliminar” para o espanhol, na Gazeta Médica de Granada (11, 105-11 e 129-35).
A tarefa seguinte dos autores foi a preparação do material dos casos clínicos e, já em 7 de fevereiro de 1894, Freud referiu-se ao livro como“semi-acabado: o que resta a fazer é apenas uma pequena parte dos casos clínicos e dois capítulos gerais”. Num trecho não publicado da carta de 21 de maio, ele menciona que está justamente escrevendo o último caso clínico, e em 22 de junho (1950a, Carta 19) apresenta uma lista do que o “livro com Breuer” irá conter: “cinco casos clínicos, um ensaio da autoria dele, com o qual não tenho absolutamente nada a ver, sobre as teorias da histeria (resumo e crítica), e um meu sobre terapia, que ainda não comecei”. Depois disso, é óbvio que houve uma paralisação, pois só em 4 de março de 1895 (ibid., Carta 22) é que ele escreve dizendo estar “trabalhando apressadamente no ensaio sobre a terapia da histeria”, concluído em 13 de março (carta não publicada). Em outra carta não publicada, de 10 de abril, Freud envia a Fliess a segunda metade das provas tipográficas do livro, e no dia seguinte lhe diz que este sairá em três semanas.
Os Estudos sobre a Histeria parecem ter sido publicados, como se esperava, em maio de 1895, embora a data exata não seja indicada. O livro foi recebido desfavoravelmente nos círculos médicos alemães; recebeu, por exemplo, forte crítica de Adolf von Strümpell, o conhecido neurologista (Deutsch. Z. Nervenheilk., 1896, 159). Por outro lado, um escritor não-médico, Alfred von Berger, mais tarde diretor do Burgtheater de Viena, sobre ele se expressou com apreço no Neue Freie Presse (2 de fevereiro de 1896). Na Inglaterra, o livro foi alvo de longa e favorável nota de Mitchell Clarke em Brain (1896, 401) e mais uma vez Myers mostrou seu interesse pela obra numa palestra de considerável extensão, originariamente proferida em março de 1897, que acabou sendo incluída em seu Human Personality (1903).
Decorreram mais de dez anos antes que houvesse um pedido de segunda edição do livro, e já nessa época os caminhos de seus dois autores se haviam separado. Em maio de 1906 Breuer escreveu a Freud concordando com uma reimpressão, mas houve certa discussão para determinar se seria desejável um novo prefácio em conjunto. Seguiram-se outras delongas e, no final, como se verá mais adiante, foram escritos dois prefácios separados. Estes trazem a data de julho de 1908, embora a segunda edição só fosse realmente publicada em 1909. O texto continuou inalterado nessa e nas edições posteriores do livro. Mas, em 1924, Freud escreveu algumas notas de rodapé adicionais para o volume de suas obras completas que continha sua parte dos Estudos (publicado em 1925) e fez uma ou duas pequenas modificações no texto.
(2)
A RELAÇÃO DOS ESTUDOS COM A PSICANÁLISE
Os Estudos sobre a Histeria costumam ser considerados como o ponto de partida da psicanálise. Vale a pena considerar brevemente se essa afirmação é verdadeira, e em que sentido. Para os objetivos dessa discussão, a questão das parcelas do trabalho atribuíveis aos dois autores será posta de lado, para consideração posterior, e o livro será tratado como um todo. A investigação sobre a relação dos Estudos com o desenvolvimento subseqüente da psicanálise pode ser dividida, por conveniência, em duas partes, embora tal separação seja necessariamente artificial. Até que ponto e de que maneira os procedimentos técnicos descritos nos Estudos e as descobertas clínicas a que conduziram prepararam o terreno para a prática da psicanálise? Em que medida os pontos de vista teóricos aqui propostos foram aceitos nas doutrinas posteriores de Freud?
Raras vezes se aprecia suficientemente o fato de que a mais importante das realizações de Freud talvez tenha sido sua invenção do primeiro instrumento para o exame científico da mente humana. Um dos principais atrativos do presente volume é que ele nos permite rastrear os primeiros passos do desenvolvimento desse instrumento. O que ele nos relata não é simplesmente a história da superação de uma série de obstáculos; é a história da descoberta de uma série de obstáculos a serem superados. A própria paciente de Breuer, Anna O., demonstrou e superou o primeiro desses obstáculos – a amnésia característica dos pacientes histéricos. Quando a existência dessa amnésia foi trazida à luz, seguiu-se de imediato a compreensão de que a mente manifesta do paciente não é a mente em sua totalidade, havendo por trás uma mente inconsciente (ver em [1]). Tornou-se assim patente, desde o início, que o problema não era meramente a investigação dos processos mentais conscientes, para a qual bastariam os métodos corriqueiros de indagação empregados na vida cotidiana. Se havia também processos mentais inconscientes, era claramente necessário algum instrumento especial. O instrumento óbvio para esse fim era a sugestão hipnótica – a sugestão hipnótica utilizada não para finalidades diretamente terapêuticas, mas para persuadir o paciente a produzir material proveniente da região inconsciente da mente. Com Anna O. apenas um ligeiro uso desse instrumento se afigurou necessário. Ela produzia torrentes de material vindo de seu “inconsciente”, e tudo o que Breuer tinha de fazer era ficar sentado e ouvi-las sem interrompê-la. Mas isso não era tão fácil como parece, e o caso clínico da Sra. Emmy revela em muitos pontos como foi difícil para Freud adaptar-se a esse novo uso da sugestão hipnótica e ouvir tudo o que a paciente tinha a dizer, sem qualquer tentativa de interferir ou de levá-la a encurtar o relato (por exemplo em [1] e [2]). Nem todos os pacientes histéricos além disso eram tão dóceis quanto Anna O.; a hipnose profunda em que ela caía, aparentemente por sua própria vontade, não era tão prontamente alcançada com qualquer um. E aqui surgia outro obstáculo: conta-nos Freud que ele estava longe de ser adepto do hipnotismo. Neste livro (por exemplo em [1]), ele nos fornece vários relatos de como contornava essa dificuldade, de como pouco a pouco foi abandonando suas tentativas de provocar a hipnose e se contentava em levar os pacientes a um estado de “concentração”, com o uso ocasional da pressão na testa. Mas foi o abandono do hipnotismo que ampliou ainda mais sua compreensão dos processos mentais. Esse abandono revelou a presença de mais um obstáculo – a “resistência” dos pacientes ao tratamento (ver em [1] e [2]), sua relutância em cooperarem na própria cura. Como se deveria lidar com essa relutância? Deveria ser suprimida com gritos ou afastada pela sugestão? Ou deveria, como outros fenômenos mentais, ser simplesmente investigada? A opção de Freud por esse segundo caminho levou-o diretamente ao mundo desconhecido que iria passar a vida inteira explorando.
Nos anos que se seguiram aos Estudos, Freud abandonou cada vez mais a técnica da sugestão deliberada | ver em [1]| e passou cada vez mais a confiar no fluxo de “associações livres” do paciente. Estava aberto o caminho para a análise dos sonhos. Essa análise permitiu-lhe, em primeiro lugar, obter uma compreensão do funcionamento do “processo primário” na mente e das formas pelas quais ele influenciava os produtos de nossos pensamentos mais acessíveis, e assim Freud adquiriu um novo recurso técnico – o da “interpretação”. Mas a análise dos sonhos possibilitou, em segundo lugar, sua própria auto-análise e suas conseqüentes descobertas da sexualidade infantil e do complexo de Édipo. Todas essas questões, porém, salvo por alguns leves indícios, ainda estavam por surgir. No entanto, nas últimas páginas deste volume, Freud já se havia defrontado com outro obstáculo no caminho do pesquisador – a “transferência” (ver em [1]). Já tivera um vislumbre de sua impressionante natureza, e talvez já tivesse começando a reconhecer que ela iria revelar-se não só um obstáculo como também mais um instrumento fundamental da técnica psicanalítica.
À primeira vista, a principal posição teórica adotada pelos autores da “Comunicação Preliminar” parece simples. Eles sustentam que, no curso normal das coisas, se uma experiência for acompanhada de uma grande dose de “afeto”, esse afeto é “descarregado” numa variedade de atos reflexos conscientes, ou então vai-se desgastando gradativamente pela associação com outros materiais mentais conscientes. No caso dos pacientes histéricos, por outro lado (por motivos que logo mencionaremos), nenhuma dessas coisas acontece. O afeto permanece num estado “estrangulado”, e a lembrança da experiência a que está ligado é isolada da consciência. A partir daí, a lembrança afetiva se manifesta em sintomas histéricos, que podem ser considerados como “símbolos mnêmicos” – vale dizer, como símbolos da lembrança suprimida (ver em [1]-[2]). Sugerem-se duas razões principais para explicar a ocorrência desse resultado patológico. Uma delas é que a experiência original ocorreu enquanto o indivíduo se encontrava num particular estado de dissociação mental, descrito como “hipnóide”; a outra é que o “ego” do indivíduo considerou essa experiência como sendo “incompatível” com ele próprio e, portanto, ela teve de ser “rechaçada”. Em ambos os casos, a eficácia terapêutica do método “catártico” é explicada com base nos mesmos fundamentos: se a experiência original, juntamente com seu afeto, puder ser introduzida na consciência, o afeto é por si mesmo descarregado ou “ab-reagido”, a força que até então manteve o sintoma deixa de atuar, e o próprio sintoma desaparece.
Tudo isso parece muito claro, mas uma pequena reflexão mostra que restam ainda muitas coisas por explicar. Por que um afeto precisa ser “descarregado”? E por que são tão terríveis as conseqüências de ele não ser descarregado? Esses problemas subjacentes não são considerados de modo algum na “Comunicação Preliminar”, embora a eles se fizesse uma breve alusão em dois dos rascunhos postumamente publicados (1941a e 1940d) e já existisse uma hipótese para explicá-los. Curiosamente, na verdade essa hipótese foi formulada por Freud em sua conferência de 11 de janeiro de 1893 (veja em [1]), apesar de ter sido omitida na própria “Comunicação Preliminar”. Ele aludiu de novo a essa hipótese nos dois últimos parágrafos do seu primeiro artigo sobre “As Neuropsicoses de Defesa” (1894a), onde declara especificamente que ela fundamentava a teoria da ab-reação na “Comunicação Preliminar” de um ano antes. Mas essa hipótese básica foi formalmente enunciada e designada pela primeira vez em 1895, na segunda parte da contribuição de Breuer ao presente volume (ver em [1]). É curioso que esta, a mais fundamental das teorias de Freud, tenha sido integralmente examinada, pela primeira vez, por Breuer (se bem que, de fato, atribuída por ele a Freud), e que o próprio Freud, embora retornasse vez por outra a seu tema (como nas primeiras páginas de seu artigo sobre “As Pulsões e suas Vicissitudes”, 1915c), não a mencionasse explicitamente até escrever Além do Princípio do Prazer (1920g). Freud, como sabemos agora, referiu-se a essa hipótese pelo nome numa comunicação de data incerta a Fliess, possivelmente 1894 (Rascunho D, 1950a), e examinou-a na íntegra, embora sob outro nome (veja adiante, ver em [1]), no “Projeto para uma Psicologia Científica”, que escreveu alguns meses após a publicação dos Estudos. Mas só cinqüenta e cinco anos depois (1950a) é que o Rascunho D e o “Projeto” foram publicados.
O “princípio da constância” (pois esta foi a denominação dada à hipótese) pode ser definido nos termos empregados pelo próprio Freud em Além do Princípio do Prazer: “O aparelho mental esforça-se por manter a quantidade de excitação nele presente em um nível tão baixo quanto possível, ou pelo menos por mantê-la constante” (Edição Standard Brasileira, Vol. XVIII, em [1], 1ª edição, Imago). Breuer o enuncia mais adiante, neste livro (ver em [1]), em termos muito semelhantes, mas com uma inclinação neurológica, como “uma tendência a manter constante a excitação intracerebral”. Em sua discussão em [1] e segs., argumenta ele que os afetos devem sua importância na etiologia da histeria ao fato de serem acompanhados pela produção de grandes quantidades de excitação, e de estas, por sua vez, exigirem uma descarga, de acordo com o princípio da constância. De modo semelhante, também as experiências traumáticas devem sua força patogênica ao fato de produzirem quantidades de excitação grandes demais para serem tratadas da maneira normal. Assim, a posição teórica essencial subjacente aos Estudos é que a necessidade clínica da ab-reação do afeto e os resultados patogênicos que surgem quando ele fica estrangulado são explicados pela tendência muito mais geral (expressa no princípio da constância) a manter constante a quantidade de excitação.
Tem-se pensado com freqüência que os autores dos Estudos atribuíam os fenômenos da histeria apenas aos traumas e às lembranças inextirpáveis deles, e que só mais tarde é que Freud, depois de deslocar a ênfase dos traumas infantis para as fantasias infantis, chegou a sua momentosa concepção “dinâmica” dos processos da mente. Ver-se-á, contudo, pelo que acaba de ser dito, que uma hipótese dinâmica sob a forma do princípio da constância já estava subjacente à teoria do trauma e da ab-reação. E quando chegou o momento de ampliar os horizontes e atribuir uma importância muito maior às pulsões, em contraste com a experiência, não houve necessidade de modificar a hipótese básica. Na realidade, Breuer já ressalta o papel desempenhado pelas “principais necessidades e pulsões fisiológicas do organismo” na gênese dos aumentos de excitação que exigem descarga (ver em [1]), e frisa a importância da “pulsão sexual” como “a fonte mais poderosa dos acúmulos sistemáticos de excitação (e, conseqüentemente, de neuroses)” (ver em [1]). Além disso, toda a noção de conflito e do recalcamento das idéias incompatíveis é explicitamente baseada no ocorrência dos aumentos desagradáveis de excitação. Isso conduz à consideração adicional de que, como salienta Freud em Além do Princípio do Prazer (Edição Standard Brasileira, 1ª edição, Vol. XVIII, ver em [1]), o próprio “princípio do prazer” está estreitamente vinculado ao princípio da constância. Ele chega mesmo a ir mais adiante e declarar (ibid., 83) que o princípio do prazer “é uma tendência que atua a serviço de uma função cuja tarefa é libertar inteiramente da excitação o aparelho mental, ou manter constância o nível de excitação dentro dele, ou mantê-lo tão baixo quanto possível”. O caráter “conservador” que Freud atribui às pulsões em seus trabalhos posteriores, assim como a “compulsão à repetição”, também são vistos no mesmo trecho como manifestações do princípio da constância; e fica claro que a hipótese em que se basearam esses primeiros Estudos sobre a Histeria ainda continuava a ser considerada fundamental por Freud em suas últimas especulações.
(3)
AS DIVERGÊNCIAS ENTRE OS DOIS AUTORES
Não estamos interessados aqui nas relações pessoais entre Breuer e Freud, descritas com detalhes no primeiro volume da biografia escrita por Ernest Jones, mas é interessante examinarmos brevemente suas divergências científicas. A existência de tais divergências foi abertamente mencionada no prefácio à primeira edição e muitas vezes falou-se nelas com exagero nas publicações posteriores de Freud. Mas no próprio livro, por estranho que pareça, elas estão longe de ganhar preeminência e, muito embora a “Comunicação Preliminar” seja a única parte do livro de autoria explicitamente conjunta, não é fácil determinar com certeza de quem é a responsabilidade pela origem dos vários elementos componentes do trabalho como um todo.
Sem dúvida, podemos com segurança atribuir a Freud os desenvolvimentos técnicos posteriores, bem como os conceitos teóricos vitais de resistência, defesa e recalcamento que decorreram deles. É fácil ver pelo relato apresentado em [1] como esses conceitos decorreram da substituição da hipnose pela técnica da “pressão”. O próprio Freud, em sua “História do Movimento Psicanalítico” (1914d), declara que “a teoria do recalcamento é a pedra angular em que repousa toda a estrutura da psicanálise”, e dá a mesma explicação aqui apresentada sobre a maneira como se chegou a ela. Afirma também sua crença de ter chegado de forma independente a essa teoria, e a história da descoberta confirma amplamente essa crença. No mesmo trecho, Freud observa que uma sugestão da idéia do recalcamento encontra-se em Schopenhauer (1844), cujas obras, contudo, ele só veio a ler em idade avançada; e há pouco tempo se ressaltou que a palavra “Verdrängung” (“recalcamento”) ocorre nos escritos do psicólogo Herbart (1824), do início do século XIX, cujas idéias tiveram grande influência sobre numerosas pessoas que faziam parte do círculo de Freud, em particular seu professor imediato de psiquiatria, Meynert. Mas nenhuma dessas sugestões diminui de modo significativo a originalidade da teoria de Freud, com sua base empírica, que encontrou sua primeira expressão na “Comunicação Preliminar” (ver em [1]-[2]).
Em contraposição a isso, não há nenhuma dúvida de que Breuer deu origem à noção dos “estados hipnóides”, ponto a que voltaremos dentro em breve, e parece possível que tenha sido responsável pelos termos “catarse” e “ab-reação”.
Todavia, muitas das conclusões teóricas dos Estudos devem ter sido produto de discussões entre os dois autores durante seus anos de colaboração, e o próprio Breuer comenta (ver em [1]-[2]) sobre a dificuldade de determinar a prioridade em tais casos. Afora a influência de Charcot, sobre a qual Freud jamais deixou de insistir, deve-se também recordar que tanto Breuer como Freud eram basicamente fiéis à escola de Helmholz, da qual um professor deles, Ernst Brücke, foi membro preeminente. Grande parte da teoria subjacente aos Estudos sobre a Histeria deriva da doutrina daquela escola, teoria que diz serem todos os fenômenos naturais, em última análise, explicáveis em função de forças físicas e químicas.
Já vimos (em [1]) que, embora Breuer fosse o primeiro a mencionar o “princípio da constância” pelo nome, ele atribuiu essa hipótese a Freud. De modo semelhante, ele ligou o nome de Freud ao termo “conversão”, mas (como será explicado mais adiante, em [1]), o próprio Freud declarou que isso se aplicava apenas à palavra e que se chegou em conjunto ao conceito.
Por outro lado, há um grande número de conceitos muito importantes que parecem ser corretamente atribuíveis a Breuer: a idéia de a alucinação ser uma “retrogressão” das imagens mentais para a percepção (ver em [1]), a tese de que as funções da percepção e da memória não podem ser realizadas pelo mesmo aparelho (ver em [1]), e, finalmente, causando grande surpresa, a distinção entre a energia psíquica ligada (tônica) e a não-ligada (móvel) e a distinção correlata entre os processos psíquicos primário e secundário (ver em [1]).
O emprego do termo “Besetzung” (“catexia”), que aparece pela primeira vez em [1]-[2] com o sentido que iria tornar-se tão familiar na teoria psicanalítica, provavelmente deve ser atribuído a Freud. Como é natural, a idéia de todo o aparelho mental, ou parte dele, transportar uma carga de energia é pressuposta pelo princípio da constância. E embora o termo real que iria transformar-se no padrão fosse empregado pela primeira vez neste volume, a idéia fora antes expressa por Freud sob outras formas. Assim, encontramo-lo utilizando expressões tais como “mit Energie ausgestattet” (“suprido de energia”) (1895b), “mit einer Erregungssumme behaftet (“carregado de uma soma de excitação”) (1894a), “munie d’une valeur affective” (“provido de uma cota de afeto”) (1893c), “Verschiebungen von Erregungs summen” (“deslocamentos de somas de excitação”) (1941a |1892|) e, já no prefácio a sua primeira tradução de Bernheim (1888-9) “Verschiebungen von Erregbarkeit im Nervensystem” (deslocamentos de excitabilidade no sistema nervoso”).
Esta última citação, porém, constitui um lembrete de algo de grande importância que pode muito facilmente ser desprezado. Não há dúvida alguma de que, na época da publicação dos Estudos, Freud considerava o termo “catexia” como puramente fisiológico. Isso é comprovado pela definição do termo dada por ele na Parte I, Seção 2, de seu “Projeto para uma Psicologia Científica”, com o qual sua mente já estava ocupada (como se verifica nas cartas a Fliess) e que foi escrito apenas alguns meses depois. Ali, após fornecer uma explicação sobre uma entidade neurológica recém-descoberta, o “neurônio”, prossegue ele: “Se combinarmos esta descrição dos neurônios com uma abordagem nos moldes da teoria da quantidade, chegaremos à idéia de uma neurônio ‘catexizado’, cheio de certa quantidade, embora em outras ocasiões possa estar vazio.” A propensão neurológica das teorias de Freud nesse período é indicada ainda pela forma como o princípio da constância é enunciado no mesmo trecho do “Projeto”. Recebe a designação de “o princípio da inércia neuronal” e é definido como indicativo de “que os neurônios tendem a desembaraçar-se da quantidade”. Revela-se assim um notável paradoxo. Breuer, como veremos adiante (ver em [1]), declara sua intenção de tratar o assunto da histeria em moldes puramente psicológicos: “No que se segue, pouca menção será feita ao cérebro e absolutamente nenhuma às moléculas. Os processos psíquicos serão tratados na linguagem da psicologia.” Na verdade, porém, seu capítulo teórico versa basicamente sobre as “excitações intracerebrais” e sobre paralelos entre o sistema nervoso e as instalações elétricas. Por outro lado, Freud dedicava todas as suas energias a explicar os fenômenos mentais em termos fisiológicos e químicos. Não obstante, como ele próprio confessa com pesar (ver em [1]), seus casos clínicos têm a forma de contos e suas análises são psicológicas.
A verdade é que, em 1895, Freud encontrava-se a meio caminho no processo de passar das explicações fisiológicas dos estados psicopatológicos para as explicações psicológicas. Por um lado, propunha o que era, em linhas gerais, uma explicação química das neuroses “atuais” – neurastenia e neurose de angústia – (em seus dois artigos sobre neurose de angústia, 1895b e 1895f), e, por outro, propunha uma explicação essencialmente psicológica – em termos de “defesa” e “recalcamento” – para a histeria e as obsessões (em seus dois artigos sobre “As Neuropsicoses de Defesa”, 1894a e 1896b). Sua formação anterior e sua carreira como neurologista levavam-no a resistir à aceitação das explicações psicológicas como definitivas; e ele estava empenhado em elaborar uma estrutura complexa de hipóteses destinadas a possibilitar a descrição dos eventos mentais em termos puramente neurológicos. Essa tentativa culminou no “Projeto” e foi abandonada não muito depois. Até o fim da vida, porém, Freud continuou adepto da etiologia química das neuroses “atuais” e a acreditar que se acabaria encontrando uma base física para todos os fenômenos mentais. Entrementes, ele chegou pouco a pouco ao ponto de vista expresso por Breuer de que os processos psíquicos só podem ser tratados na linguagem da psicologia. Foi só em 1905 (em seu livro sobre o chiste, Capítulo V) que ele pela primeira vez repudiou de forma explícita qualquer intenção de empregar o termo “catexia” em algum sentido que não fosse o psicológico e abandonou todas as tentativas de relacionar os tratos nervosos ou os neurônios com as vias de associação mental.
Quais eram, porém, as divergências científicas essenciais entre Breuer e Freud? Em seu Estudo Autobiográfico (1925d) Freud afirma que a primeira delas relacionava-se com a etiologia da histeria e poderia ser descrita como “os estados hipnóides versus as neuroses de defesa”. Mais uma vez, no entanto, aqui mesmo neste volume, o problema é menos nítido. Na “Comunicação Preliminar” elaborada em conjunto, ambas as etiologias são aceitas (ver em [1]). Breuer, em seu capítulo teórico, evidentemente dá maior ênfase aos estados hipnóides (ver em [1]), mas também acentua a importância da “defesa” (ver em [1] e [2]), embora de modo pouco entusiástico. Freud parece aceitar a noção dos “estados hipnóides” no caso clínico de “Katharina” (ver em [1]) e, de modo menos definitivo, no da Sra. Elisabeth (ver em [1]). É só no capítulo final que seu ceticismo começa a tornar-se evidente (ver em [1]). Num artigo sobre “A Etiologia da Histeria”, publicado no ano seguinte (1896c), esse ceticismo é expresso de forma ainda mais franca e, numa nota de rodapé ao caso de “Dora” (1905e), Freud declara que a expressão “estados hipnóides” é “desnecessária e confusa” e que a hipótese “decorreu inteiramente da iniciativa de Breuer” (Edição Standard Brasileira, 1ª edição, Vol. VII, pág. 25n).
Mas a principal diferença de opinião entre os dois autores, na qual Freud posteriormente insistiu, dizia respeito ao papel desempenhado pelos impulsos sexuais na causação da histeria. Também aqui, contudo, verificaremos que a divergência expressa aparece de uma forma menos clara do que seria de se esperar. A crença de Freud na origem sexual da histeria pode ser inferida com bastante clareza a partir da discussão em seu capítulo sobre a psicoterapia (ver em. [1]), mas em nenhum ponto ele chega a afirmar, como faria mais tarde, que uma etiologia sexual se mostra invariavelmente presente nos casos de histeria. Por outro lado, Breuer fala em vários pontos, e usando os termos mais incisivos, sobre a importância do papel desempenhado pela sexualidade nas neuroses, e o faz em especial no longo trecho em [1] e segs. Diz ele, por exemplo (como já se observou, em [1]), que “a pulsão sexual é sem dúvida a fonte mais poderosa dos aumentos persistentes de excitação (e, conseqüentemente, das neuroses)” (ver em [1]), e declara (ver em [1]) que “a grande maioria das neuroses graves nas mulheres tem sua origem no leito conjugal”.
Parece que, para encontrarmos uma explicação satisfatória para a dissolução dessa parceria científica, deveríamos olhar o que está atrás da palavra impressa. As cartas de Freud a Fliess mostram Breuer como um homem cheio de dúvidas e reservas, sempre inseguro em suas conclusões. Há um exemplo extremo disso numa carta de 8 de novembro de 1895 (1950a, Carta 35), cerca de seis meses após a publicação dos Estudos: “Não faz muito tempo, no Colégio de Medicina, Breuer fez um longo discurso falando de mim, no qual anunciou sua conversão à crença na etiologia sexual |das neuroses|. Quando o chamei de lado para agradecer-lhe, ele estragou meu prazer, dizendo: ‘Ainda assim não creio nisso.’ Você consegue entender isso? Eu, não.” Algo dessa natureza pode ser lido nas entrelinhas das contribuições de Breuer aos Estudos, onde temos o quadro de um homem meio temeroso de suas próprias descobertas notáveis. Era inevitável que ele ficasse ainda mais desconcertado pelo pressentimento das descobertas ainda mais inquietantes que estavam por vir; e era inevitável que Freud, por sua vez, se sentisse prejudicado e irritado com as incômodas hesitações de seu companheiro de trabalho.
Seria enfadonho enumerar os muitos trechos, nas obras posteriores de Freud, nos quais ele se refere aos Estudos sobre a Histeria e a Breuer; porém, algumas citações ilustrarão a variação da ênfase em sua atitude para com eles.
Nos numerosos relatos abreviados de seus métodos terapêuticos e das teorias psicológicas que publicou durante os anos logo após o lançamento dos Estudos, Freud se esforçou por ressaltar as diferenças entre a “psicanálise” e o método catártico – as inovações técnicas, a extensão de seu processo quanto às outras neuroses que não a histeria, o estabelecimento da motivação da “defesa”, a insistência numa etiologia sexual e, como já vimos, a rejeição final dos “estados hipnóides”. Ao chegarmos à primeira série das obras principais de Freud – os volumes sobre sonhos (1900a), parapraxias (1901b), chistes (1905c) e sexualidade (1905d) – naturalmente há pouco ou nenhum material retrospectivo; e é somente nas cinco conferências proferidas na Universidade de Clark (1910a) que vamos encontrar um levantamento histórico extenso. Nessas conferências, Freud parecia ansioso por estabelecer a continuidade entre sua obra e a de Breuer. Toda a primeira conferência e grande parte da segunda são dedicadas a um resumo dos Estudos, e a impressão da era a de que não Freud, e sim Breuer era o verdadeiro fundador da psicanálise.
O longo levantamento retrospectivo seguinte, na “História do Movimento Psicanalítico” (1914d), teve um tom muito diferente. Todo o artigo, naturalmente, teve uma intenção polêmica, e não é de surpreender que, ao esboçar a história inicial da psicanálise, Freud frisasse mais suas divergências com Breuer do que sua dívida para com ele, e que revogasse explicitamente sua visão de Breuer como o fundador da psicanálise. Também nesse artigo Freud discorreu largamente sobre a incapacidade de Breuer para enfrentar a transferência sexual e revelou o “lastimável evento” que encerrou a análise de Anna O (ver em [1]).
A seguir veio o que parece ser quase uma amende- já mencionada na ver em [1]: a inesperada atribuição a Breuer da distinção entre a energia psíquica ligada e a não-ligada e entre os processos primário e secundário. Não tinha havido nenhuma sugestão dessa atribuição quando essas hipóteses foram originalmente introduzidas por Freud (em A Interpretação dos Sonhos); ela foi feita pela primeira vez numa nota de rodapé à Seção V do artigo metapsicológico sobre “O Inconsciente” (1915e) e repetida em Além do Princípio do Prazer (1920g); (Edição Standard Brasileira, Vol. XVIII, em [1] e [2]). Não muito tempo depois houve algumas frases de louvor num artigo preparado por Freud para o Handwörterbuch de Marcuse (1923a; Edição Standard Brasileira, Vol. XVIII, em [1]): “Numa seção teórica dos Estudos, Breuer propôs algumas idéias especulativas sobre os processos de excitação da mente. Essas idéias determinaram a direção das futuras linhas de pensamento…” Mais ou menos na mesma orientação, Freud escreveu, um pouco depois, numa contribuição para uma publicação norte-americana (1924f): “O método catártico foi o precursor imediato da psicanálise e, apesar de toda amplitude da experiência e de todas as modificações de teoria, ainda se acha contido nela como seu núcleo.”
O longo levantamento histórico de Freud que se seguiu, Um Estudo Autobiográfico (1925d), pareceu mais uma vez afastar-se da obra conjunta: “Se o relato que fiz até agora”, escreveu, “levou o leitor a esperar que os Estudos sobre a Histeria, em todos os pontos essenciais de seu conteúdo, tenham sido um produto da mente de Breuer, isso é precisamente o que eu mesmo sempre sustentei… No tocante à teoria formulada no livro, fui parcialmente responsável, mas numa medida que hoje não é mais possível determinar. Aquela teoria, de qualquer modo, era despretensiosa e mal foi além da descrição direta das observações.” E acrescentou que “teria sido difícil adivinhar, pelos Estudos sobre a Histeria, a importância que tem a sexualidade na etiologia das neuroses”, passando mais uma vez a descrever a relutância de Breuer em reconhecer esse fator.
Logo depois disso Breuer faleceu, e talvez seja apropriado encerrar esta introdução à obra conjunta com uma citação do necrológio feito por Freud sobre seu colaborador (1925g). Depois de comentar a relutância de Breuer em publicar os Estudos e de declarar que o principal mérito dele próprio em relação a essa obra fora o de haver persuadido Breuer a concordar com seu lançamento, prosseguiu: “Na época em que ele aceitou minha influência e estava elaborando os Estudos para publicação, seu julgamento do significado da obra pareceu confirmar-se. ‘Creio’, disse-me ele, ‘que esta é a coisa mais importante que nós dois temos a dar ao mundo’. Além do caso clínico de sua primeira paciente, Breuer redigiu um artigo teórico para os Estudos. Esse texto está muito longe de ser desatualizado; pelo contrário, oculta pensamentos e sugestões que não foram suficientemente levados em conta. Qualquer um que se aprofunde nesse ensaio especulativo formará uma verdadeira impressão da estatura mental desse homem cujos interesses científicos, infelizmente, só foram orientados na direção de nossa psicopatologia por um curto episódio de sua longa vida.”
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
Em 1893 publicamos a “Comunicação Preliminar” sobre um novo método de examinar e tratar os fenômenos histéricos. A ela acrescentamos, de forma tão concisa quanto possível, as conclusões teóricas a que havíamos chegado. Estamos aqui reimprimindo essa “Comunicação Preliminar” para servir como a tese que temos por finalidade ilustrar e provar.
Anexamos a ela uma série de casos clínicos cuja seleção, infelizmente, não pôde ser determinada em bases puramente científicas. Nossa experiência provém da clínica particular numa classe social culta e letrada, e o assunto com que lidamos muitas vezes aborda a vida e a história mais íntimas de nossos pacientes. Constituiria grave quebra de confiança publicar material dessa espécie, com o risco de os pacientes serem identificados e seus conhecidos ficarem a par de fatos confiados apenas ao médico. Foi-nos portanto impossível fazer uso de algumas das nossas observações mais instrutivas e convincentes. Isso naturalmente se aplica de forma especial a todos os casos em que as relações sexuais e maritais desempenham um importante papel etiológico. Assim, ocorre que só conseguimos apresentar provas muito incompletas em favor de nosso ponto de vista de que a sexualidade parece desempenhar um papel fundamental na patogênese da histeria, como fonte de traumas psíquicos e como motivação para a “defesa” – isto é, para que as idéias sejam recalcadas da consciência. Foram precisamente as observações de natureza marcadamente sexual que nos vimos obrigados a não publicar.
Os casos clínicos são seguidos de diversas considerações teóricas e, num capítulo final sobre terapia, propõe-se a técnica do “método catártico” tal como se desenvolveu nas mãos do neurologista.
Se em algumas ocasiões se expressam opiniões divergentes e até mesmo contraditórias, isso não deve ser considerado como prova de qualquer vacilação em nossos pontos de vista. Decorre das divergências naturais e justificáveis entre as opiniões dos dois observadores que estão de acordo quanto aos fatos e à leitura básica dos mesmos, mas que nem sempre concordam invariavelmente em suas interpretações e conjeturas.
J. BREUER, S. FREUD
Abril de 1895
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
O interesse que, em grau sempre crescente, vem se voltando para a psicanálise parece agora estar-se estendendo a estes Estudos sobre a Histeria. O editor deseja publicar nova edição do livro, que no momento se acha esgotado. Aparece ele agora numa reimpressão sem quaisquer alterações, embora as opiniões e os métodos apresentados na primeira edição tenham desde então passado por desenvolvimentos de longo alcance e profundidade. No que me diz respeito, pessoalmente, desde aquela época não lidei ativamente com o assunto; não tive nenhuma participação em seu importante desenvolvimento e nada poderia acrescentar de novo ao que foi escrito em 1895. Assim, nada pude fazer além de expressar o desejo de que minhas duas contribuições ao volume fossem reimpressas sem alteração.
BREUER
Também quanto a minha participação no livro, a única decisão possível é que o texto da primeira edição seja reimpresso sem alteração. Os desenvolvimentos e mudanças ocorridos em meus pontos de vista no decorrer de treze anos de trabalho foram extensos demais para que seja possível vinculá-los a minha anterior exposição sem destruir inteiramente seu caráter essencial. Tampouco tenho qualquer motivo para desejar eliminar esta prova de meus conceitos iniciais. Ainda hoje não os considero como erros, mas como valiosas primeiras aproximações de um conhecimento que só poderia ser plenamente adquirido após longos e continuados esforços. O leitor atento será capaz de descobrir neste livro os germes de tudo aquilo que desde então foi acrescentado à teoria da catarse; por exemplo, o papel desempenhado pelos fatores psicossexuais e pelo infantilismo, e a importância dos sonhos e do simbolismo inconsciente. E não posso dar melhor conselho a qualquer interessado no desenvolvimento da catarse até chegar à psicanálise do que começar pelos Estudos sobre a Histeria e, desse modo, seguir o caminho que eu próprio trilhei.
FREUD
VIENA, julho de 1908
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