Vol. I – (4) OBSERVAÇÃO DE UM CASO GRAVE DE HEMIANESTESIA EM UM HOMEM HISTÉRICO (1886)


INTRODUÇÃO
BEOBACHTUNG EINER HOCHGRADIGEN HEMIANASTHESIE BEI EINEM HYSTERISCHEN MANNE
(a) EDIÇÕES ALEMÃS:
1886 Wien. med. Wschr., 36 (49), 1633-38 (4 de dezembro).
Parece que este artigo foi reeditado. A presente tradução de James Strachey é a primeira que se fez para o idioma inglês. Aparentemente, havia a intenção de que este artigo viesse a ser o primeiro de uma série, de vez que o encima o título “Beitrage zur Kasuistik der Hysterie, I” (Contribuições ao Estudo Clínico da Histeria, I). Mas a série não teve continuação.
Em 15 de outubro de 1886, uns seis meses depois de seu retorno de Paris, Freud leu perante a “Gesellschaft der Aerzte” (Sociedade de Medicina) de Viena um artigo intitulado “Über mannliche Hysterie” (Sobre a Histeria Masculina). O texto desse artigo não sobreviveu, ainda que sobre ele surgissem resenhas nos periódicos médicos de Viena, como, por exemplo, no Wien, med. Wochenschr., 63 (43), 1444-6 (23 de outubro). Também é encontrado num breve resumo de Ernest Jones (1953, 252). O próprio Freud dá um relato desse evento em seu Estudo Autobiográfico (1925d), Edição Standard Brasileira, Vol. XX, em [1], IMAGO Editora, 1976. O artigo foi mal recebido, e Meynert desafiou Freud a apresentar perante a sociedade um caso de histeria masculina. Freud teve alguma dificuldade em encontrar um caso, pois os médicos mais antigos dos departamentos do Hospital Geral recusaram-se a lhe facultar o uso do material de que dispunham. Por fim, com a ajuda de um jovem laringologista, encontrou noutro lugar um paciente adequado e o apresentou perante a “Gesellschaft der Aerzte’’ em 26 de novembro de 1886. O caso foi demonstrado por Freud e por seu amigo Dr. Konigstein, cirurgião oftalmologista que tinha feito um exame dos sintomas oculares do paciente. O artigo desse especialista foi publicado no Wochenschrift uma semana depois do de Freud – na edição de 11 de dezembro (1674-6). Freud conta-nos que o presente artigo encontrou uma recepção melhor do que o artigo anterior; todavia, não chegou a suscitar interesse.
A maior parte do artigo, conforme se verá, trata dos fenômenos físicos da histeria, nos moldes característicos da atitude de Charcot em relação a essa doença. Há somente alguns indícios muito leves que revelam interesse por fatores psicológicos.
Senhores:
A 15 de outubro, quando tive a honra de pedir-lhes a atenção para um breve informe sobre o recente trabalho de Charcot na área da histeria masculina, fui desafiado pelo meu respeitado mestre Hofrat Professor Meynert a apresentar perante a sociedade alguns casos em que pudessem ser observadas, de forma claramente visível, as indicações somáticas da histeria – os “estigmas histéricos” pelos quais Charcot caracteriza essa neurose. Hoje, enfrento esse desafio – de maneira insuficiente, é verdade, mas na medida do que me permite o material clínico de que disponho -, apresentando perante os senhores um homem histérico que mostra o sintoma da hemianestesia, num grau que se poderia descrever com o mais elevado. Antes de começar minha demonstração, quero apenas observar que estou longe de pensar que o que lhes estou mostrando é um caso raro ou peculiar. Pelo contrário, considero-o um caso muito comum, de ocorrência freqüente, embora muito amiúde possa passar despercebido.
Por esse paciente, devo agradecer à gentileza do Dr. von Beregszászy, que o enviou a mim para confirmação do diagnóstico que ele havia feito. O paciente, August P., gravador de 29 anos, é a pessoa que está diante dos senhores: um homem inteligente, que de pronto se ofereceu para ser examinado por mim, na esperança de uma rápida recuperação.
Permitam-me que comece por um relato de sua história familiar e de sua história pessoal. O pai do paciente, aos 48 de idade, morreu da doença de Bright; trabalhava numa adega, bebia muito e tinha temperamento violento. Sua mãe morreu, aos 46 anos, de tuberculose. Soube-se que ela sofria muito de dores de cabeça, quando jovem: o paciente nada tem a dizer sobre ataques convulsivos ou algo semelhante. O casal teve seis filhos, dos quais o primeiro levou uma vida irregular e faleceu de uma afecção sifilítica cerebral. O segundo filho tem interesse especial para nós; ele desempenha um papel na etiologia da doença de seu irmão e parece que ele próprio era histérico. Contou ao nosso paciente haver sofrido de ataques convulsivos; e, por uma estranha coincidência, nesse mesmo dia, encontrei um colega de Berlim que tratara desse irmão, em Berlim, durante uma enfermidade, e havia diagnosticado que ele sofria de histeria – diagnóstico este que também foi confirmado num hospital daquela cidade. O terceiro filho desapareceu desde que desertou do exército; o quarto e o quinto morreram em tenra idade, e o último é o nosso paciente.
Nosso paciente teve um desenvolvimento normal na infância, nunca sofreu convulsões infantis e teve as doenças comuns de crianças. Aos oito anos, teve a infelicidade de ser atropelado na rua; sofreu ruptura do tímpano direito, com permanente déficit da audição do ouvido direito, e foi acometido de uma doença que durou diversos meses, durante a qual sofria freqüentes desmaios, cuja natureza atualmente já não é possível descobrir. Esses desmaios continuaram por uns dois anos. Desse acidente adveio um certo embotamento intelectual, que o paciente afirma ter sido notado em seu rendimento escolar, e uma tendência a sensações vertiginosas sempre que, por alguma razão, se sentia indisposto. Mais tarde, completou o curso primário; após a morte dos pais, passou a aprendiz de gravador; um dado que fala muito a favor de seu caráter é o fato de ter permanecido como artífice e empregado do mesmo mestre de ofício durante dez anos. Considera-se pessoa cujos pensamentos estavam total e unicamente voltados para a perfeição de seu habilidoso ofício e que, com esse fim em vista, leu muito e exercitou-se no desenho, não se permitindo relacionamentos sociais nem divertimentos. Via-se obrigado a refletir muito acerca de si mesmo e de suas ambições e, por fazê-lo com tanta freqüência, caía num estado de excitada fuga de idéias, no qual ficava alarmado a respeito de sua saúde mental; seu sono muitas vezes era agitado e sua digestão fazia-se lenta por causa de seu modo de vida sedentário. Sofreu de palpitações durante os últimos nove anos; mas, afora isto, era sadio e jamais precisou interromper seu trabalho.
Sua doença atual começou há uns três anos. Nessa época, teve um desentendimento com o irmão que levava uma vida desregrada, porque este se recusou a lhe pagar uma soma em dinheiro que o paciente lhe emprestara. O irmão ameaçou apunhalá-lo e avançou contra ele com uma faca. Isto causou ao paciente um medo indescritível; sentiu um zumbido na cabeça, como se ela fosse estourar; correu para casa, sem poder contar como foi que chegou lá, e caiu no chão, inconsciente, em frente à porta de casa. Depois, ouviu dizer que, durante duas horas, tinha tido violentos espasmos, durante os quais falara da cena com seu irmão. Quando voltou a si, sentia-se muito fraco; durante as seis semanas seguintes, sofreu de violentas dores no lado esquerdo da cabeça e pressão intracraniana. Parecia-lhe alterada a sensibilidade na metade esquerda do corpo, e seus olhos se cansavam facilmente no trabalho, que ele retomou em seguida. Com algumas oscilações, seu estado ficou sendo este durante três anos, até que, há sete semanas, uma nova agitação causou uma mudança para pior. O paciente foi acusado de roubo por uma mulher, teve palpitações violentas e, por uns quinze dias, esteve tão deprimido que pensou em suicídio; ao mesmo tempo, um tremor muito intenso tomou conta de seus membros esquerdos. A metade esquerda de seu corpo ficou como se tivesse sido afetada por um pequeno acidente cerebral; seus olhos se enfraqueceram muito e freqüentemente faziam-no ver tudo cinza; seu sono era interrompido por aparições terrificantes e sonhos nos quais pensava estar caindo de uma grande altura; começaram a surgir dores no lado esquerdo da garganta, na virilha esquerda, na região sacra e em outras áreas; seu estômago, com freqüência, estava “como se tivesse estourado”, e ele se viu obrigado a parar de trabalhar. Outra piora em todos esses sintomas data da última semana. Além disso, o paciente está sujeito a dores violentas no joelho esquerdo e na planta do pé esquerdo, quando caminha durante algum tempo; tem uma sensação peculiar na garganta, como se a língua estivesse presa, ouve freqüentes zumbidos nos ouvidos, e outras coisas dessa natureza. Sua memória está prejudicada quanto aos acontecimentos ocorridos durante sua doença; quanto aos eventos anteriores à doença, porém, não apresenta problemas. Os ataques sob forma de convulsões repetiram-se de seis a nove vezes durante os três anos; contudo, a maior parte deles foi muito benigna; somente um ataque, à noite, no último mês de agosto, acompanhou-se de “agitação” com bastante gravidade.
Agora examinemos o paciente: um homem bastante pálido, de compleição média. O exame de seus órgãos internos nada revela de patológico, exceto bulhas cardíacas abafadas. Quando comprimo o ponto de saída dos nervos supra-orbital, infra-orbital ou do mento, do lado esquerdo, o paciente volta a cabeça com uma expressão de dor intensa. Podemos, portanto, supor que há uma alteração nevrálgica no trigêmeo esquerdo. Também a abóbada craniana é muito sensível à percussão na sua metade esquerda. A pele da metade esquerda da cabeça comporta-se, no entanto, de modo muito diferente do que esperávamos: está completamente insensível a estímulos de qualquer espécie. Posso aplicar-lhe alfinetadas, beliscá-la, torcer o lobo da orelha entre meus dedos, sem que o paciente chegue sequer a perceber o contato. Aqui, pois, existe um grau muito elevado de anestesia; esta, contudo, atinge não só a pele como também as membranas mucosas, conforme lhes mostrarei no caso dos lábios e da língua do paciente. Se introduzo um rolinho de papel em seu canal auditivo externo esquerdo e depois em sua narina esquerda, não se produz nenhuma reação. Repito agora a experiência no lado direito e mostro que aqui a sensibilidade do paciente é normal. Em consonância com a anestesia, os reflexos sensoriais também estão abolidos ou diminuídos. Assim, posso introduzir meu dedo e tocar todos os tecidos faríngeos do lado esquerdo, sem que resultem ânsias de vômito; os reflexos faríngeos do lado direito, contudo, também se encontram diminuídos; apenas quando toco a epiglote no lado direito é que se dá uma reação. O toque da conjuntiva palpebral e ocular mal produz o fechamento das pálpebras; por outro lado, o reflexo corneano está presente, embora muito reduzido. Aliás, os reflexos conjuntival e corneano do lado direito também estão diminuídos, embora em grau menor; e esse comportamento dos reflexos é suficiente para me possibilitar a conclusão de que os distúrbios da visão não se limitam necessariamente a um olho (o esquerdo). E, realmente, quando pela primeira vez examinei o paciente, ele mostrava em ambos os olhos a peculiar poliopia monocular dos pacientes histéricos e distúrbios da sensibilidade às cores. Com o olho direito, reconhecia todas as cores, exceto o roxo, que dizia ser cinzento; com o olho esquerdo, reconhecia apenas o vermelho-claro e o amarelo-claro, ao passo que considerava todas as outras cores como cinzento, quando eram claras, e como preto, quando escuras. O Dr. Konigstein teve a gentileza de submeter o paciente a um minucioso exame oftalmológico e posteriormente relatará suas conclusões. [Ver em [1]] Passando aos outros órgãos dos sentidos, o olfato e o paladar estão inteiramente anulados no lado esquerdo. Somente a audição foi poupada da hemianestesia cerebral. Convém lembrar que a acuidade do ouvido direito ficou seriamente prejudicada desde que o paciente sofreu um acidente, aos oito anos de idade; seu ouvido esquerdo é o melhor; a redução da audição nele presente é (segundo uma gentil comunicação do Professor Gruber) suficientemente explicada por uma visível e substancial afecção da membrana timpânica.
Se procedermos agora a um exame do tronco e dos membros, verificaremos também uma anestesia absoluta, sobretudo no braço esquerdo. Como vêem, consigo espetar a ponta de uma agulha numa dobra da pele sem que o paciente reaja. As estruturas profundas – músculos, ligamentos e articulações – também devem estar insensíveis em grau igualmente elevado, pois posso mover a articulação do punho e estirar os ligamentos sem provocar qualquer sensação no paciente. É consoante com essa anestesia das estruturas profundas o fato de que o paciente, quando seus olhos são vendados, também não tem noção da posição do seu braço esquerdo no espaço, nem de qualquer movimento que executo com ele. Passo uma venda em seus olhos e depois lhe pergunto o que fiz com sua mão esquerda. Ele não consegue dizer. Peço-lhe que, com a mão direita, segure o polegar, o cotovelo ou o ombro esquerdos. Ele tateia às cegas, confunde sua própria mão com a minha, que lhe estendo, e então admite que não sabe a quem pertence a mão que segurou.
Deve ser particularmente interessante descobrir se o paciente é capaz de encontrar as partes da metade esquerda de sua face. Seria de supor que isso não lhe oferecesse quaisquer dificuldades, pois, afinal, a metade esquerda do rosto está, digamos, firmemente cimentada à metade direita, intacta. Mas a experiência mostra o contrário. O paciente erra o alvo no olho esquerdo, no lobo da orelha esquerda, e assim por diante; na verdade, parece sair-se pior ao tatear com a mão direita as partes anestesiadas do rosto do que se estivesse tocando uma parte do corpo de alguma outra pessoa. A causa disso não é uma perturbação na mão direita, que ele está usando para apalpar, pois os senhores podem ver com que certeza e rapidez ele encontra os pontos em que lhe digo para tocar a metade direita do rosto.
A mesma anestesia está presente no tronco e na perna esquerda. Observamos aí que a perda das sensações tem seu limite na linha média, ou se estende um pouco além desta.
Para mim, parece haver um interesse especial na análise dos distúrbios do movimento que o paciente mostra em seus membros anestesiados. Acredito que esses distúrbios do movimento devam ser atribuídos, inteira e unicamente, à anestesia. Certamente não existe paralisia do braço esquerdo, por exemplo. Um braço paralisado ou cai flacidamente, ou se mantém rígido, devido às contraturas em posições forçadas. Aqui a coisa se passa de modo diverso. Se eu vendar os olhos do paciente, seu braço esquerdo permanecerá na posição que tinha assumido anteriormente. Os distúrbios da mobilidade são mutáveis e dependem de diversas condições. Em primeiro lugar, aqueles dentre os senhores que tiverem notado como o paciente se despiu com ambas as mãos e como fechou sua narina esquerda com os dedos da mão esquerda, não terão tido a impressão de qualquer distúrbio grave do movimento. A um exame mais acurado, verificar-se-á que o braço esquerdo, em especial os dedos, são movimentados mais lentamente e com menos habilidade, como se estivessem entorpecidos, e com um leve tremor. Todos os movimentos, até os mais complicados, são, todavia, executados, e isso acontece sempre que a atenção do paciente é desviada dos órgãos do movimento e dirigida unicamente para o objetivo do movimento. As coisas se passam diversamente quando lhe peço que efetue movimentos isolados com o braço esquerdo, sem qualquer objetivo mais remoto – como, por exemplo, dobrar o braço na articulação do cotovelo enquanto segue o movimento com os olhos. Nesse caso, seu braço esquerdo parece muito mais inibido do que antes, o movimento é feito com muita lentidão, incompletamente, em estágios diferentes, como se houvesse uma grande resistência a ser vencida, e é acompanhado de um nítido tremor. Os movimentos dos dedos são extraordinariamente débeis nessas circunstâncias. Uma terceira espécie da perturbação do movimento, a mais grave, surge, finalmente, quando o paciente é solicitado a efetuar movimentos isolados com os olhos fechados. Por certo, algo se passa no membro que está absolutamente anestesiado, pois, como vêem, a inervação motora é independente de qualquer informação sensitiva do tipo que normalmente procede de um membro que vai ser movimentado; esse movimento, no entanto, é mínimo, de modo algum dirigido a um determinado segmento, e não determinável quanto à sua direção por parte do paciente. Não suponham, porém, que esse último tipo de perturbação do movimento seja uma conseqüência necessária da anestesia; é precisamente com relação a esse aspecto que se encontram marcantes diferenças individuais. Observamos, no Salpêtrière, pacientes com anestesias que, de olhos fechados, conservam um controle muito mais acentuado de membros que tivessem sido eliminados da consciência.
A mesma influência da atenção desviada e do olhar aplica-se à perna esquerda. Hoje, durante pelo menos uma hora, o paciente caminhou a meu lado pelas ruas, a passos rápidos, sem olhar para seus pés enquanto andava. E tudo o que pude notar foi que pisava com o pé esquerdo girando-o um pouco para fora e que, muitas vezes, arrastava-o pelo chão. Mas quando lhe ordeno que ande, ele tem que acompanhar com os olhos cada movimento da perna anestesiada, e o movimento faz-se lento e hesitante, cansando-o com muita facilidade. Por fim, com os olhos fechados, ele caminha completamente inseguro e se desloca mantendo ambos os pés em contato com o chão, como faria qualquer um de nós se caminhasse no escuro em local desconhecido. Ele também tem grande dificuldade em permanecer de pé apenas sobre a perna esquerda; quando fecha os olhos nessa posição, cai imediatamente ao chão.
Prosseguirei com a descrição do comportamento de seus reflexos. Estes são, em geral, mais vivos do que o normal e, além disso, mostram pequena coerência entre si. Os reflexos do tríceps e do extensor são efetivamente mais vivos na extremidade direita, não anestesiada. O reflexo patelar parece mais vivo na esquerda; o reflexo do tendão de Aquiles é igual em ambos os lados.Também é possível obter uma discreta reação patelar, mais nitidamente observável à direita. Os reflexos do cremaster estão ausentes; por outro lado, os reflexos abdominais são rápidos, sendo que o esquerdo está intensamente aumentado, de modo que o mais leve toque numa área da pele do abdômen provoca uma contração máxima do músculo reto-abdominal esquerdo.
Em conjugação com uma hemianestesia histérica, nosso paciente mostra, tanto espontaneamente como sob pressão, áreas dolorosas nesse lado do corpo que é, em outros aspectos, o lado insensível – o que se conhece como “zonas histerógenas”, embora nesse caso sua conexão com a provocação dos ataques não seja acentuada. Assim o nervo trigêmeo, cujos ramos terminais, como lhes mostrei anteriormente, são sensíveis à pressão, é a sede de uma zona histerógena desse tipo; também o são uma estreita área na fossa cervical média esquerda, uma faixa mais larga na parede esquerda do tórax (onde a pele também é sempre sensível), a parte lombar da coluna e a parte mediana do osso sacro (a pele é sensível também sobre a porção anterior dessas). Finalmente, o cordão espermático esquerdo está muito sensível à dor, e essa zona se prolonga no trajeto do cordão espermático, pela cavidade abdominal, até a área que, nas mulheres, freqüentemente é sede da “ovaralgia”.
Devo acrescentar dois comentários referentes aos desvios que nosso caso apresenta em relação ao quadro típico da hemianestesia histérica. O primeiro diz respeito ao fato de que o lado direito do corpo do paciente também não está livre da anestesia, ainda que não seja em grau intenso e pareça afetar apenas a pele. Há, portanto, uma zona de diminuição da sensitividade à dor (e à temperatura) sobre a saliência do ombro direito; uma outra estende-se em forma de faixa ao redor da extremidade distal do antebraço; a perna direita apresenta hipoestesia no lado externo da coxa e na panturrilha.
Um segundo comentário refere-se ao fato de que a hemianestesia de nosso paciente mostra muito nitidamente a característica da instabilidade. Assim, num teste para sensitividade elétrica, contrariando minha expectativa, tornei sensível uma área de pele no cotovelo esquerdo; e testes repetidos mostraram que a extensão das zonas dolorosas do tronco e as perturbações do sentido da visão oscilavam de intensidade. É nessa instabilidade do distúrbio da sensitividade que baseio minha esperança de ser capaz de restaurar a sensitividade normal do paciente, dentro de pouco tempo.

Comentários