Vol. I – (11) UM CASO DE CURA PELO HIPNOTISMO (1892-93)


EIN FALL VON HYPNOTISCHER HEILUNG NEBST BEMERKUNGEN ÜBER DIE ENTSTEHUNG HYSTERISCHER SYMPTOME DURCH DEN “GEGENWILLEN”
(a) EDIÇÕES ALEMÃS:
1892-93 Zeitschr. Hypnot., 1 (3), 102-7, (4), 123-9. (dezembro de 1892 e janeiro de 1893).
1925 G. S., 1, 258-72.
1952 G. W., 1, 3-17.
(b) TRADUÇÃO INGLESA:
“A Case of Successful Treatment by Hypnotism”
1950 C. P., 5, 33-46. (Trad. de James Strachey.)
A presente tradução inglesa constitui uma versão ligeiramente corrigida da que foi publicada em 1950.
Este artigo veio à luz quase exatamente na mesma época da “Comunicação Preliminar” de Breuer e Freud (1893a). Algumas das idéias nele encontradas (por exemplo, a da “contra vontade”) aparecem na obra posterior de Freud, constituindo o artigo como que uma ligação entre seus escritos sobre hipnotismo e aqueles que abordam a histeria, pela qual ele passava a se interessar. A opinião de que “um momento de disposição para a histeria” – neste caso, a fadiga física – proporciona a ocasião para a contra vontade afirmar-se sugere a influência de Breuer e do “estado hipnóide”. (Ver em [1].)
UM CASO DE CURA PELO HIPNOTISMO COM ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE A ORIGEM DOS SINTOMAS HISTÉRICOS ATRAVÉS DA CONTRAVONTADE
Nas páginas que se seguem, proponho-me trazer a público um caso isolado de cura pela sugestão hipnótica, pois, devido a uma série de circunstâncias concomitantes, esse caso foi mais convincente e mais claro do que a maioria dos nossos tratamentos nos quais houve êxito.
Já havia vários anos que eu conhecia a senhora a quem pude, desse modo, proporcionar atendimento numa fase importante de sua existência, e ela permaneceu sob minha observação, posteriormente, por vários anos. O distúrbio do qual foi aliviada pela sugestão hipnótica tinha surgido, pela primeira vez, algum tempo antes. E havia em vão lutado contra ele e, devido a tal problema, tinha sido forçada a uma limitação da qual depois, com minha ajuda, se viu livre. Um ano mais tarde, o mesmo distúrbio apareceu mais uma vez, e novamente foi superado da mesma forma. O êxito terapêutico foi valioso para a paciente e persistiu enquanto ela desejou levar a cabo a função afetada pelo distúrbio. Por fim, nesse caso, foi possível individualizar o mecanismo psíquico básico do distúrbio e correlacioná-lo com atos semelhantes na área da neuropatologia.
Posso agora deixar de falar por enigmas. Tratava-se de uma mãe que era incapaz de amamentar seu bebê recém-nascido, até haver a intervenção da sugestão hipnótica. Suas experiências com um filho anterior e com um outro, subseqüente, serviram de controle do êxito terapêutico, tal como raramente se consegue lograr.
A pessoa de que trata esse caso clínico é uma jovem senhora, entre vinte e trinta anos de idade, a quem eu conhecia desde os seus anos de infância. Sua capacidade, tranqüilo bom senso e espontaneidade tornavam impossível que alguém, inclusive seu médico de família, a considerasse neurótica. Tendo em conta as circunstâncias que passo a relatar, devo classificá-la, segundo a apropriada expressão de Charcot, como uma histérique d’occasion. Essa categoria, como sabemos, não exclui uma admirável combinação de qualidades e de uma saúde nervosa isenta de comprometimentos em outros aspectos. Quanto a sua família, conheço sua mãe, que de modo algum é uma pessoa neurótica, e uma irmã mais nova, igualmente sadia. Um irmão sofreu de uma neurastenia típica do início da idade adulta, o que arruinou sua carreira. Estou familiarizado com a etiologia e a evolução dessa forma de doença, que encontro repetidamente, todos os anos, no meu exercício da medicina. Tendo começado a vida com uma boa constituição, o paciente se defronta, na puberdade, com as dificuldades sexuais próprias da idade; seguem-se anos de sobrecarga de trabalho, como estudante; ele se prepara para exames e sofre um ataque de gonorréia, seguido de um súbito início de dispepsia, acompanhada de uma constipação rebelde e inexplicável. Depois de alguns meses, a constipação é substituída por sensação de pressão intracraniana, depressão e incapacidade para o trabalho. Daí em diante o paciente torna-se cada vez mais ensimesmado e seu caráter vai ficando sempre mais fechado, até ele se tornar um tormento para a família. Não tenho certeza se não é possível adquirir essa forma de neurastenia com todos os seus elementos; portanto, sobretudo porque não conheço os demais parentes da minha paciente, deixo em aberto a questão de podermos supor que, nessa família, estaria presente uma disposição hereditária para a neurose.
Ao chegar a época do nascimento do primeiro filho de seu casamento (que era um casamento feliz), a paciente pretendia amamentar o bebê. O parto não foi mais difícil do que o habitual numa primípara já não tão jovem; foi concluído por fórceps. Entretanto, embora sua constituição física parecesse favorável, ela não conseguia amamentar satisfatoriamente a criança. Havia pouca produção de leite, surgiam dores quando o bebê era posto a mamar, a mãe perdeu o apetite e se mostrava alarmantemente sem vontade de se alimentar, tendo noites agitadas e insones. Por fim, após uns quinze dias, a fim de evitar algum risco maior para a mãe e a criança diante do fracasso, abandonou-se a tentativa e a criança passou a ser alimentada por uma ama-de-leite. Com isso, todos os problemas da mãe desapareceram. Devo acrescentar que não tenho condições de fazer um relato, nem como médico nem como testemunha ocular, dessa primeira tentativa de amamentação.
Três anos mais tarde, nasceu o segundo bebê; nessa ocasião, circunstâncias externas somaram-se ao fato de ser desejável evitar a ama-de-leite. Mas os esforços da própria mãe para amamentar a criança pareciam ainda menos bem-sucedidos e pareciam provocar sintomas ainda mais desagradáveis do que da primeira vez. A paciente vomitava todo o alimento ingerido, ficava inquieta quando ele era trazido até sua cama e era completamente incapaz de dormir. Ficou tão deprimida com sua incapacidade que seus dois médicos de família – médicos amplamente conceituados em Viena, como o Dr. Breuere o Dr. Lott – não queriam nem ouvir em prosseguir com alguma outra tentativa mais prolongada nessa ocasião. Recomendaram apenas que se fizesse mais um esforço – com o auxílio da sugestão hipnótica; e, no entardecer do quarto dia, fizeram com que eu fosse apresentado profissionalmente, de vez que pessoalmente eu já era conhecido da paciente.
Encontrei-a deitada no leito, as faces ruborizadas, irritada com sua incapacidade de amamentar o bebê – incapacidade que aumentava a cada tentativa, mas contra a qual ela lutava com todas as suas forças. A fim de evitar os vômitos, não tinha ingerido nenhum alimento durante todo aquele dia. Seu epigástrio estava distendido e apresentava-se sensível à pressão; a palpação revelou motilidade anormal do estômago; de tempos em tempos, havia eructação inodora, e a paciente se queixou de ter tido mau gosto constante na boca. A área de ressonância gástrica estava consideravelmente aumentada. Longe de ser bem recebido como um salvador em hora de necessidade, vi-me sendo recebido de má vontade e não pude contar com muita confiança por parte da paciente.
Logo tratei de induzir a hipnose por meio de fixação do olhar, ao mesmo tempo que fazia constantes sugestões referentes aos sintomas do sono. Três minutos depois, a paciente estava deitada, com a fisionomia tranqüila de alguém que dorme profundamente. Não me recordo de ter feito quaisquer testes de catalepsia e outros sintomas de flexibilidade. Utilizei a sugestão para contestar todos os temores dela e os sentimentos em que esses temores se baseavam: “Não tenha receio! Você vai poder cuidar muito bem do seu bebê, ele vai crescer forte. O seu estômago está perfeitamente calmo, o seu apetite está excelente, você já está na expectativa da próxima refeição etc.” A paciente continuou dormindo, o que permiti por alguns minutos, e, depois que a despertei, ela revelou amnésia para o que ocorrera. Antes de sair de casa, vi-me na necessidade de contestar um comentário preocupado do marido da paciente; achava ele que os nervos de uma mulher poderiam ser totalmente arruinados pela hipnose.
No começo da noite seguinte, foi-me dito algo que me pareceu uma garantia de êxito, mas que, muito estranhamente, não tinha causado nenhuma impressão na paciente nem nas pessoas da família. Na noite anterior, ela havia feito uma refeição, sem qualquer conseqüência prejudicial, dormindo placidamente, e, na manhã seguinte, por sua própria iniciativa, tinha-se alimentado e amamentado a criança impecavelmente. No entanto, não suportou a refeição bastante farta do almoço. Nem bem a comida lhe foi trazida e logo sua indisposição voltou; os vômitos começaram antes mesmo de ela tocar no alimento. Foi impossível colocar o bebê ao seio e todos os sinais objetivos eram os mesmos de quando eu chegara, na noitinha anterior. Não consegui nenhum resultado com minha argumentação de que a batalha já estava quase ganha, de que agora ela estaria convencida de que o problema podia desaparecer e que de fato havia desaparecido durante meio dia. Produzi então a segunda hipnose, que a levou ao estado de sonambulismo, tão rapidamente como da primeira vez, e agi com maior energia e confiança. Disse à paciente que, cinco minutos depois de minha saída, ela iria zangar-se com sua família e dizer com aspereza: o que tinha acontecido com o jantar dela? será que pretendiam deixá-la passar fome? como poderia ela amamentar a criança, se ela mesma não tinha nada para comer? e assim por diante.
Na terceira tarde, quando retornei, a paciente recusou-se a prosseguir qualquer tratamento. Já não havia mais nenhum problema, disse ela: tinha um excelente apetite e muito leite para o bebê, não havia a menor dificuldade quando este era posto a mamar etc. Seu marido achou muito estranho que, depois de minha saída, na véspera, ela tivesse reclamado violentamente, exigindo comida, e tivesse censurado a mãe de um modo que não lhe era habitual. Todavia, acrescentou ele, tudo tinha estado muito bem desde então.
Não havia nada mais a ser feito por mim. A mãe amamentou a criança por oito meses; e com satisfação tive repetidas oportunidades de me inteirar de que ambos passavam bem. No entanto, eu achava difícil compreender, ao mesmo tempo que isto me aborrecia, o fato de jamais ter sido feita qualquer referência ao meu notável trabalho.
Um ano mais tarde, chegou a minha vez, quando o terceiro filho fez as mesmas exigências à mãe e esta foi incapaz de corresponder a elas, tal como nas ocasiões anteriores. Encontrei a paciente no mesmo estado do ano anterior, sentindo-se efetivamente exasperada consigo mesma, pois sua vontade nada conseguia fazer contra sua aversão aos alimentos e contra seus outros sintomas; e a primeira hipnose da tarde teve como único resultado fazê-la sentir-se mais desesperada. Mais uma vez, após a segunda hipnose, os sintomas foram eliminados tão completamente que não se fez necessária uma terceira hipnose. Também essa criança, que agora tem dezoito meses de idade, foi amamentada sem qualquer problema e a mãe tem gozado de boa saúde.
Em face desse êxito, a paciente e seu marido perderam o constrangimento e confessaram o motivo que havia determinado sua conduta em relação a mim. “Eu me sentia envergonhada”, disse-me a mulher, “porque uma coisa como a hipnose podia obter resultado, ao passo que eu, com toda a minha força de vontade, não conseguia nada.” Não obstante, não penso que ela ou o marido tenham superado a ojeriza à hipnose.
Passarei agora a considerar qual pode ter sido o mecanismo psíquico do distúrbio de minha paciente, que foi, desse modo, removido pela sugestão. Não tenho informações diretas sobre o assunto, como as tenho referentes a alguns outros casos, que discutirei noutra ocasião; por isso sou forçado a recorrer à alternativa de deduzir qual teria sido esse mecanismo.
Existem determinadas idéias que têm um afeto de expectativa que lhes está vinculado. São de dois tipos: idéias de eu fazer isto ou aquilo – o que denominamos intenções – e idéias de isto ou aquilo me acontecer – são as expectativas propriamente ditas. O afeto vinculado a tais idéias depende de dois fatores: primeiro, o grau de importância que o resultado tem para mim; segundo, o grau de incerteza inerente à expectativa desse resultado. A incerteza subjetiva, a contra-expectativa, é em si representada por um conjunto de idéias ao qual darei o nome de “idéias antitéticas aflitivas”. No caso de uma intenção, essas idéias antitéticas se passam assim: “Não vou conseguir executar minha intenção, porque isto ou aquilo é demasiado difícil para mim, e eu sou incapaz de fazê-lo; sei, também, que algumas outras pessoas igualmente fracassaram em situação semelhante”. O outro caso, o de uma expectativa, não precisa de comentário: a contra-expectativa consiste em enumerar todas as coisas que talvez possam me acontecer, diferentes da que eu desejo. Ainda seguindo essa linha de raciocínio, iríamos chegar até as fobias, que desempenham tão grande papel na sintomatologia das neuroses. Retornemos, todavia, à primeira categoria, às intenções. Como é que uma pessoa, com vida ideativa sadia, lida com as idéias antitéticas que se opõem a uma intenção? Com a poderosa autoconfiança da saúde, a pessoa as reprime e inibe, na medida do possível, e as exclui de suas associações de pensamentos. Isto muitas vezes sucede em tal medida que a existência de uma idéia antitética contra uma intenção geralmente nem sequer se manifesta, tornando-se uma probabilidade somente quando passamos a examinar as neuroses. De outro lado, quando há uma neurose presente – e não me estou referindo explicitamente apenas à histeria, mas ao status nervosus em geral -, temos de supor a presença primária de uma tendência à depressão e à diminuição da autoconfiança, tal como as encontramos muito desenvolvidas e individualizadas na melancolia. Nas neuroses, pois, uma grande atenção é dedicada [pelo paciente] às idéias antitéticas que se opõem às intenções, talvez porque o tema de tais idéias se coadune com o estado de ânimo da neurose, ou talvez porque as idéias antitéticas, que de outro modo estariam ausentes, vicejem no terreno da neurose.
Quando essa intensificação das idéias antitéticas se relaciona com expectativas, se o caso é de um simples status nervosus, o feito se manifesta num quadro mental difusamente pessimista; se o caso é de neurastenia, as idéias, associando-se às mais fortuitas sensações, ocasionam as numerosas fobias encontradas nos neurastênicos. Quando a intensificação se relaciona com intenções, ela origina as perturbações que se agrupam sob a classificação de folie de doute, que tem como ponto principal a descrença na capacidade pessoal. Justamente nesse ponto as duas principais neuroses, neurastenia e histeria, comportam-se de modo diferente, característico de cada uma delas. Na neurastenia, a idéia antitética, patologicamente intensificada, combina-se com a idéia volitiva num único ato da consciência; ela exerce uma subtração na idéia volitiva e causa a fraqueza da vontade, que é tão marcante nos neurastênicos e de que eles mesmos estão conscientes. Na histeria, o processo difere desse que acabamos de descrever, em dois aspectos ou, possivelmente, apenas em um aspecto. [Em primeiro lugar,] em consonância com a tendência à dissociação da consciência na histeria, a idéia antitética aflitiva, que parece estar inibida, é afastada da associação com a intenção e continua a existir como idéia desconectada, muitas vezes inconscientemente para o próprio paciente. [Em segundo lugar,] é extremamente característico da histeria que, quando chega o momento de se pôr em execução a intenção, a idéia antitética inibida consegue atualizar-se através da inervação do corpo, com a mesma facilidade com que o faz, em circunstâncias normais, uma idéia volitiva. A idéia antitética se estabelece, por assim dizer, como uma “contravontade”, ao passo que o paciente, surpreso, apercebe-se de que tem uma vontade que é resoluta, porém impotente. Talvez, conforme já disse, esses dois fatores, no fundo, sejam um só: pode ser que a idéia antitética apenas seja capaz de se impor porque não a inibe a sua combinação com a intenção, da forma como a intenção é inibida por ela. [1]
Se, no caso de que nos ocupamos, a mãe, que se viu impedida por dificuldades neuróticas de amamentar seu filho, fosse neurastênica, sua conduta teria sido diferente. Ela teria sentido um temor consciente da tarefa que lhe competia, teria estado muito preocupada com os vários acidentes e perigos possíveis e, depois de muito contemporizar com ansiedades e dúvidas, teria, afinal, conseguido amamentar sem qualquer dificuldade; ou então, se a idéia antitética se tivesse tornado dominante, a paciente teria abandonado seu encargo, por sentir-se receosa do mesmo. Mas a histérica se conduz de modo muito diverso. Pode não estar consciente do seu receio, estar bastante decidida a levar a cabo sua intenção e passar a executá-la sem hesitação. Aí, porém, comporta-se como se fosse sua vontade não amamentar a criança em absoluto. Ademais, essa vontade desperta nela todos os sintomas subjetivos que uma simuladora apresentaria como desculpa para não amamentar seu filho; perda do apetite, aversão à comida, dores quando a criança é posta a mamar. E, como a contravontade exerce sobre o corpo um controle maior do que a simulação consciente, também produz no aparelho digestivo uma série de sinais objetivos que a simulação seria incapaz de engendrar. Aqui, em contraste com a fraqueza da vontade mostrada na neurastenia, temos uma perversão da vontade; e, em contraste com a resignada irresolução mostrada no primeiro caso, aqui encontramos surpresa e exasperação ante uma dissensão que é incompreensível para a paciente.
Portanto, considero-me justificado ao classificar minha paciente como uma hystérique d’occasion, de vez que ela, em conseqüência de uma causa fortuita, era capaz de produzir um complexo de sintomas com um mecanismo tão agudamente característico da histeria. Pode-se presumir que, nesse caso, a causa fortuita era o estado de excitação da paciente antes do primeiro parto ou sua exaustão após o mesmo. Um primeiro parto, afinal, é o maior choque a que está sujeito o organismo feminino e, em conseqüência dele, uma mulher geralmente produz alguns sintomas neuróticos, que podem estar latentes em sua disposição.
Parece provável que o caso dessa paciente seja um caso típico, e ele esclarece toda uma série de outros casos nos quais a amamentação no seio, ou alguma função semelhante, é impedida por influências neuróticas. Contudo, visto que, no caso por mim relatado, só entendi o mecanismo psíquico por inferências, apresso-me a acrescentar a afirmação de que, muitas vezes, consegui estabelecer diretamente a ação de um mecanismo psíquico semelhante em sintomas histéricos, investigando o paciente sob hipnose.
Aqui, desejo mencionar apenas um dentre os exemplos mais expressivos. Há alguns anos, tratei uma paciente histérica que demonstrava grande força de vontade nos aspectos de sua conduta não afetados pela doença; contudo, nos que estavam assim afetados, ela mostrava bem claramente o peso da carga que lhe impunham os numerosos e opressivos impedimentos e incapacidades histéricos. Umas das características mais evidentes era um ruído peculiar que, como um tique, intrometia-se em sua conversa. Posso descrevê-lo melhor, dizendo que se tratava de um singular estalo da língua, com súbita interrupção do fechamento convulsivo dos lábios. Depois de observá-lo por algumas semanas, perguntei-lhe quando e como aquilo tinha surgido pela primeira vez. “Não sei quando foi”, respondeu, “ah! faz muito tempo.” Isso me levou a considerar que se tratava de um tique verdadeiro, até que, um dia, me ocorreu fazer-lhe a mesma pergunta estando a paciente em profunda hipnose. Essa paciente, sob hipnose, conseguia chegar (sem haver qualquer necessidade de sugerir-lhe a idéia) ao acervo completo de suas recordações – ou, como eu preferiria expressar-me, a toda a extensão de sua consciência, que se encontrava limitada durante sua vida desperta. Ela respondeu prontamente: “Foi quando minha filha mais nova esteve muito doente; ela havia passado o dia inteiro tendo convulsões, mas, por fim, no final da tarde, adormeceu. Eu estava sentada à beira da cama dela e pensei comigo mesma: ‘Agora você tem de ficar absolutamente quieta, para não acordá-la.’ Foi então que o estalo ocorreu pela primeira vez. Depois, desapareceu. Mas, um dia, passados alguns anos, quando eu estava passando de carruagem por uma floresta perto de -, sobreveio uma violenta tempestade, e um tronco de árvore junto ao caminho, bem à nossa frente, foi atingido por um raio, de forma que o cocheiro teve de sofrear os cavalos bruscamente, e eu pensei comigo: ‘Agora, haja o que houver, você não deve gritar, senão os cavalos disparam’. E naquele momento o estalo veio novamente e persistiu desde essa ocasião”. Pude verificar que o ruído que ela fazia não era um tique verdadeiro, pois, a partir do momento em que assim se desvendou sua origem, ele desapareceu e nunca mais retornou durante todos os anos em que permaneci em contacto com a paciente. Esta, porém, foi a primeira ocasião em que consegui observar a origem dos sintomas histéricos mediante a atuação de uma idéia antitética aflitiva – isto é, mediante a contravontade. A mãe, exausta com suas angústias e dúvidas acerca de suas tarefas de cuidar da criança enferma, tomou a decisão de não deixar que sequer um som saíssede seus lábios, com receio de perturbar o sono da filhinha, o qual tinha custado tanto a vir. Mas, no seu estado de exaustão, mostrou-se mais forte a concomitante idéia antitética de que ela, não obstante, pudesse fazer um ruído; e essa idéia teve acesso à inervação da língua, que sua decisão de manter-se em silêncio talvez pudesse ter-se esquecido de inibir, irrompeu no fechamento dos lábios e produziu um ruído que daí em diante permaneceu fixado por muitos anos, especialmente depois que se repetiu a mesma sucessão de fatos.
Existe uma objeção que temos de enfrentar antes de podermos compreender inteiramente esse processo. Pode-se perguntar como sucede a idéia antitética adquirir supremacia em conseqüência da exaustão geral (que é o que constitui a disposição para o processo). Eu responderia apresentando a teoria de que a exaustão é apenas parcial. O que está exausto são os elementos do sistema nervoso que formam o fundamento material das idéias associadas com a consciência primária; as idéias que estão excluídas dessa cadeia associativa – isto é, da cadeia de associações do ego normal -, as idéias inibidas e suprimidas, não estão exaustas e, por conseguinte, predominam no momento da disposição para a histeria.
Todo aquele que esteja bem familiarizado com a histeria há de observar que o mecanismo psíquico que acabei de descrever oferece uma explicação não apenas das ocorrências histéricas isoladas, mas também das partes principais da sintomatologia da histeria e, ainda, de uma de suas características mais salientes. Se atentarmos cuidadosamente para o fato de que são as idéias antitéticas aflitivas (inibida e rechaçadas pela consciência normal) que se impõem num primeiro plano, no momento da disposição para a histeria, e têm acesso à inervação somática, então teremos a solução para compreender também a peculiaridade dos delírios dos ataques histéricos. Não é mera coincidência que o delírio histérico das monjas durante as epidemias da Idade Média tenha assumido a forma de blasfêmias violentas e linguagem erótica desenfreada, ou (como observou Charcot no primeiro volume de suas Leçons du Mardi) que sejam justamente os meninos de boa educação e bem-comportados os que sofrem de ataques histéricos, nos quais dão livre vazão a todo tipo de insubordinação, a todo tipo de má-criação e má conduta. São os grupos de idéias recalcadas – laboriosamente recalcadas – que entram em ação nesses casos, pela operação de uma espécie de contravontade, quando a pessoa cai vítima de exaustão histérica. Talvez, na realidade, a conexão possa ser mais íntima, pois o estado histérico é possivelmente produzido pela repressão laboriosa; mas, no presente trabalho, não estou levando em consideração os aspectos psicológicos de tal estado. Aqui me interessa simplesmente explicar por que – supondo que haja um estado de disposição para a histeria – os sintomas assumem a forma particular sob a qual os vemos.
Essa emergência de uma contravontade é predominantemente responsável pela característica demoníaca tão freqüentemente mostrada pela histeria – isto é, a característica de os pacientes serem incapazes de fazer alguma coisa precisamente quando e onde mais ardentemente desejam fazê-la; de fazerem justamente o oposto daquilo que lhes foi solicitado; e de serem obrigados a cobrir de maus-tratos e suspeitas tudo o que mais valorizam. A perversidade de caráter que os histéricos mostram, sua ânsia de fazerem a coisa errada, de parecerem doentes quando mais necessitam estar bem – as compulsões dessa ordem (como as conhece todo aquele que já teve contacto com esses pacientes) muitas vezes podem comprometer os caracteres mais irrepreensíveis, quando, durante algum período, esses pacientes se tornam vítimas desamparadas de suas idéias antitéticas.
Parece destituído de significação querer saber o que acontece às intenções inibidas em relação à vida ideativa normal. Poderíamos ser tentados a responder que elas simplesmente não existem. O estudo da histeria mostra que, não obstante, elas realmente existem, ou seja, que é mantida a modificação física a elas correspondente e que elas são armazenadas e levam a vida insuspeitada numa espécie de reino das sombras, até emergirem como maus espíritos e assumirem o controle do corpo, que, geralmente, está sob as ordens da predominante consciência do ego.
Já disse que esse mecanismo é extremamente característico da histeria, mas devo acrescentar que não ocorre somente na histeria. Encontra-se presente, de modo bastante notável, no tic convulsif, uma neurose que, em matéria de sintomas, tem tanta semelhança com a histeria que todo o seu quadro pode ocorrer como manifestação parcial da histeria. Tanto é assim que Charcot, se não compreendi mal seus ensinamentos sobre esse assunto, após manter separados a histeria e o tic convulsif por algum tempo, conseguiu constatar apenas um aspecto diferencial entre os dois – o tique histérico desaparece, mais cedo ou mais tarde, enquanto o tique verdadeiro persiste. O quadro de tic convulsif grave, como sabemos, é constituído de movimentos involuntários, freqüentemente (ou sempre, conforme opinião de Charcot e Guinon) sob a forma de caretas ou gestos que, numa época, tiveram um significado – de coprolalia, de ecolalia e de idéias obsessivas pertencentes ao âmbito da folie de doute. Contudo, é surpreendente verificar que Guinon, que nunca teve qualquer idéia de penetrar no mecanismo psíquico desses sintomas, nos conta que alguns dos seus pacientes vieram a ter os espasmos e caretas porque uma idéia antitética tinha entrado em ação. Esses pacientes relataram que, em alguma ocasião, tinham visto um tique parecido ou tinham visto um comediante fazer intencionalmente uma careta semelhante, e tinham tido o receio de que pudessem ser obrigados a imitar esses movimentos grotescos. Daí em diante, realmente, tinham começado a imitá-los. Sem dúvida, apenas uma pequena proporção dos movimentos involuntários que ocorrem nos tiques tem essa origem. Por outro lado, seria tentador atribuir a esse mecanismo a origem da coprolalia, um termo usado para descrever a exclamação involuntária, ou melhor, a exclamação a contragosto, dos piores palavrões, que ocorre nos tiques. Assim, a coprolalia teria origem na percepção do paciente de que ele não consegue impedir-se de produzir determinado som, geralmente um “h’m’h’m”. Ele então recearia perder o controle também de outros sons, especialmente o controle de palavras que um homem de boa educação evita usar, e esse receio faria com que se efetuasse o que temia. Guinon não apresenta nenhuma anamnese que confirme essa hipótese; eu próprio nunca tive a oportunidade de interrogar um paciente que sofresse de coprolalia. Por outro lado, na obra desse mesmo autor, encontrei um relato sobre um outro caso de tique em que a palavra pronunciada involuntariamente não pertencia (e isso é muito excepcional) ao vocabulário coprolálico. Tratava-se de um homem adulto que era atormentado pela necessidade de exclamar “Maria”! Quando esse paciente estava na idade escolar, tinha tido uma ligação sentimental com uma menina chamada Maria; ficara totalmente absorto por ela, e esse acontecimento, pode-se supor, o predispôs a uma neurose. Naquela época, ele começou a exclamar o nome de seu ídolo no meio da aula, e o nome continuou com ele por boa parte de sua vida, depois de ter esquecido seu caso amoroso. Penso que a explicação deve ser esta: num momento de especial excitação, o seu esforço mais resoluto de manter em segredo o nome inverteu-se na contravontade e, depois disso, o tique persistiu, como sucedeu no cado de meu segundo paciente. Caso minha explicação desse exemplo esteja correta, seria interessante atribuir ao mesmo mecanismo a coprolalia propriamente dita, visto que as palavras obscenas constituem segredos que todos nós conhecemos, mas cujo conhecimento sempre procuramos ocultar. [1]

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